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Um cordel para o Gondim



Sou um simples poeta nordestino,
eu não tenho diploma teológico,
não entendo o teor mercadológico
que pra isso me faltam ânsia e tino.
Aprendi a cantar desde menino
escutando a voz doce do carão,
o pipoco estrondoso do trovão,
e a orquestra dos pássaros afinada,
e quero ter uma fé santa, embasada,
com a mente no céu e pés no chão.

Em singelas igrejas eu ouvi
a mensagem profética do Senhor,
a peleja, a justiça e o amor,
e as dores vicárias do Rabi.
Lendo a Bíblia Sagrada eu descobri
que é Jesus o Autor da Salvação
no momento da crucificação
seu suspiro calou milhões de vozes
que ao invés de peitar os seus algozes
concedeu-lhes o bálsamo do perdão.

Na Palavra de Deus está disposto
que o déspota é somente o tentador,
que Deus quer o reinado do Amor
em que tudo é proposto e não imposto.
Nesse ponto, propõe que seja posto
o mais puro papel da probidade,
mas quem pensa que é dono da verdade
não se curva aos apelos do amor.
Eu não creio em um Deus que usa a dor,
mas que doa seu Eu com liberdade.

O exemplo de Cristo me faz ver
que o idílio nem sempre vira fato,
que nem Deus busca dar um ultimato
e que tudo se pode refazer.
Que Deus tem o poder para poder,
mas prefere tecer outro mosaico.
Coronel é modelo já arcaico,
liberdade imprescinde na República
o privado não é a coisa pública,
a nação é cristã, o Estado é laico.

Lá no plano de cima Deus é Rei
e reina sempre entre crentes e ateus.
Uma lei não anula a Lei de Deus,
porém Deus não anula a outra lei.
Deve o mundo tornar-se santa grei,
facção é veneno inconsequente.
A potência do Pai Onipotente
faz chamar o conservo de “amigo”,
Ele sabe quem é ou joio ou trigo
e ser cristão é viver com o diferente.

Deus não ‘tá em um credo de doutrina
nem na Teologia Sistemática,
A Palavra não vive na Gramática,
mas na alma de quem ama e ensina.
Deus está na floresta, na colina,
no riacho, na pétala de uma flor,
n’ arco-íris bonito e multicor,
no forró, no cordel e no bolero,
no altar de um coração sincero,
na loucura da cruz e no amor.

Deus está no mar, na estratosfera,
no vergel, no deserto, na lagoa,
nos poemas escritos por Pessoa,
nos romances profundos de Kundera.
Deus não mora na caixa ou na esfera,
não aceita suborno e nem ‘lobismo’,
repudia o brutal fisiologismo,
mas abraça o braçal (mesmo em suor).
Mesmo estando por dentro, é bem maior
que o meio do tal protestantismo.

É difícil ter garra pra falar
um discurso honesto, justo e sério,
pois os tais seguidores do império
fazem tudo o que podem pra calar.
Como a Cícero, se quer decapitar,
como a Sócrates, desejam dar veneno.
Se mataram Jesus, o Nazareno,
que farão para com seus seguidores?
Quem mais diz que o mundo será flores
não se mexe nem limpa seu terreno.

Quem botou sua mão no santo arado
pode olhar para frente e não pra trás,
quem escuta o gemido dos rivais
se esquece o trabalho dedicado,
quem labora no solo machucado
quer curar esse solo tão doente,
quem não busca um hipócrita sorridente
diz um sim para um pranto verdadeiro,
quem tomou para si o seu madeiro
não tem medo do que vem pela frente.

Esse parco cordel eu fiz, enfim,
como um pássaro singelo que abre o bico.
Apesar de distante eu lhe dedico
a Ricardo Gondim, pois ele, sim,
vem pregando a mensagem de Elohim,
sendo luz numa pátria enegrecida.
Sente dor de ver dor e ver ferida,
mas não fere e prefere buscar cura,
garimpando em escombros a candura
e entre os ossos do chão procura vida.

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