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Microconto sem título


Ela estava se perdendo no mundo dos livros e ele já havia se perdido há muito tempo. Por isso, nem no orbe das letras eles se encontravam. Ela se deliciava com as narrativas de Nicholas Sparks, ele imergia no sentimento de ‘não-pertencer’ do Albert Camus. Ela se debruçava em teorias organizacionais, enquanto ele ficava cada vez mais confuso, fazendo uma ‘vitamina’ de Poe, Saramago e Kafka, ao invés de estudar os livros solicitados na Faculdade. Ela lia Max Lucado, enquanto ele preferia os “hereges” Ricardo Gondim e Rubem Alves. Na Bíblia, ela se deleitava com as parábolas de Jesus e ele se mantinha ranzinza, em um eterno Eclesiastes. Ela entoava os Salmos com mais beleza que Davi e ele, desafinado, recitava os Provérbios com a voz rouca. Até que, quando ambos decidiram passear pelas árvores de Cantares, deram conta da existência um do outro. Então, ele ergueu os olhos do livro e mirou o sorriso dela, que era a materialização da beleza. E ela viu os olhos tristes dele. E ouviu o silêncio que gritava dentro dele. Fecharam os livros. E a vida se abriu para os dois, como uma página em branco.

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