Pular para o conteúdo principal

Mãe sem filho

Eu vi uma velhinha então sentada,
Com uma face tristonha, mas singela.
Sem pensar que pensei, juntei-me a ela,
Lhe saudei, mas ficou ela calada.
Eu olhei que ela olhava para o nada,
Como quem já está sem trajetória,
Um vivente vivendo de memória,
Sempre presa no mundo do sufoco.
Levantei-me. Ela disse: espere um pouco,
Deixe, filho, eu contar-lhe minha história.

Balançando a cabeça, eu disse sim,
Sem sair som algum da minha boca.
A velhinha falou-me com a voz rouca:
O meu tempo na terra está no fim.
Eu fui boa pra quem foi ruim pra mim
Que destino perverso é esse meu!
Vi meu filho nascer, depois cresceu,
Se tornou homem sério, rico e forte,
Mas eu lembro que é má a minha sorte
Porque ele de mim se esqueceu.

Está ele na flor da juventude
Sem notar que eu estou envelhecendo.
Quanto mais o seu nome está crescendo,
Mais meu nome vai pra decrepitude.
Quando viu que perdi minha saúde,
Ele disse que achou seu maior tédio.
Recusava sair do próprio prédio
Pra levar-me pro médico no hospital.
Se esquecendo que quando passou mal
Eu tratava com amor e com remédio.

Quando eu não podia mais com o prato,
Que a comida caía em minha roupa.
Ele olhava com raiva, dava poupa,
Me xingava e tratava com mal trato.
Quando eu não calçava mais sapato,
Para ele era grande rebuliço,
Me dizia que tinha compromisso
E que eu tinha que me orientar,
Me calçar, me vestir, me alimentar
(Mas fui eu que ensinei-lhe tudo isso…)

Se às vezes tentávamos conversar
Em um raro momento estando junto,
Se acaso eu tocasse em um assunto
Ou um caso eu quisesse lhe narrar.
Eu ouvia meu filho me falar
Meu falar ele não queria ouvir,
Sem notar que eu queria dividir
O que a vida mostrou-me a cada dia
Nem lembrar que eu sempre repetia
Historinhas até ele dormir…

Ao ligar esse tal computador,
Objeto pra ele fascinante,
Me julgou por me ver ignorante
Sem saber mensurar o seu valor.
Eu não tenho na mente mais vigor,
E demoro demais para aprender,
Porém nunca fui cega pra não ver
Seu olhar me olhar com tom sarcástico,
Seu sorriso de hipócrita, amor de plástico,
E eu perdendo a vontade de viver…

Hoje os óculos me fazem vez da vista,
A bengala tem força, as pernas não.
Como os dentes caíram, hoje estão
Dentes falsos colados por dentista.
Meus cabelos pintados, cujo artista
Que pintou não pediu para pintar,
Abaixou a cadência pulmonar,
Minha boca mal fala e mal mastiga,
Todo mundo me vê, mas ninguém liga
E aos poucos eu sinto me acabar.

O meu filho comigo não mais mora,
Ele está noutro chão, com novos brilhos,
Só espero que não tenha dos filhos
O presente que ganho dele agora…
Se você tem ainda esta senhora
Que tornou-se a rainha do seu lar,
Lhe ensinou a correr e a falar,
Deu-lhe o leite materno pra beber,
Se recorde de nunca se esquecer
Que não pode esquecer de lhe amar

Ao falar isso tudo, levantou-se,
Lentamente igual quem carrega carga.
Eu pensei pra mim mesmo “está amarga
Esta vida que outrora já foi doce”.
Sem sequer acenar, aos poucos foi-se,
O roteiro da mesma eu já não sei.
Em silêncio somente desejei,
Mãe sem filho, que o filho de Deus dê
O que o filho não dá para você…
Eu tentei segurar. Não deu. Chorei…

Jénerson Alves, 10 de maio de 2009.

Postagens mais visitadas deste blog

A Vocação de São Mateus

  Dentre as obras de Caravaggio, ‘A Vocação de São Mateus’ é uma das que mais provocam debates e reflexões. A tela, com traços realistas, parece fazer saltar ao mundo real o que está expresso no versículo 09 do capítulo 09 do Evangelho de S. Mateus: “Passando por ali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria, e disse-lhe: ‘Siga-me’. Mateus levantou-se e o seguiu”. O domínio da luz, inerente à verve do pintor barroco, é evidente na obra. O contraste da luz que entra pela janela no ambiente escuro parece representar o contato do mundo espiritual com o terreno – este reproduzido no grupo de pessoas à mesa e aquele pela figura do Senhor Jesus Cristo ao lado de São Pedro. Os indivíduos sentados à mesa parecem ter idades e posições sociais distintas. O mais relevante deles é Mateus, trajado de forma elegante e com uma postura de proeminência. Sem dúvida, uma boa exibição do que seria a conduta dos cobradores de impostos do primeiro século. No texto neotestamen...

3 mulheres cordelistas que você precisa conhecer

  JOSILEIDE CANTALICE Josileide Cantalice nasceu em Bezerros-PE, em 1959. É casada, mãe de dois filhos e avó de cinco netos. Aposentada. Começou a escrever poemas em 2015, aos 56 anos de idade. Ainda criança apreciava a Literatura de Cordel, lendo folhetos para seus pais e vizinhos. Recentemente publicou o seu primeiro livro, intitulado 'Poesia e Fé'. Disse Rute a Noemi: Eu não vou te abandonar Aonde quer que tu fores  Eu irei te acompanhar  E onde quer que pousares Também eu irei pousar. EDIANA TORRES Ediana do Socorro Torres Fraga nasceu em 01.05.1977, na cidade de Bezerros-PE. É mulher negra, agricultora, artesã, cabeleireira, poetisa e declamadora. Em 2017, foi uma das vencedoras do Primeiro Recital Poético de Bezerros. É integrante da AMALB (Associação do Movimento Artístico e Literário de Bezerros). Ensinar nossas crianças  Com carinho e com respeito  Ainda é o melhor caminho  Para um futuro perfeito; É formando o cidadão  Que se faz uma nação...

Professor Reginaldo Melo

por Jénerson Alves Texto publicado na Coluna Dois Dedos de Prosa, do Jornal Extra de Pernambuco - ed. 625 Ao lado de outros poetas de Caruaru, entrei no apartamento onde o professor Reginaldo Melo está internado há três semanas, em um hospital particular. Ele nos recebeu com alegria, apesar da fragilidade física. Com a voz bem cansada, quase inaudível, um dos primeiros assuntos que ele pediu foi: “Ajudem-me a publicar o cordel sobre o Rio Ipojuca, que já está pronto, só falta ser levado à gráfica”. Coincidentemente, ele estava com uma camisa de um Encontro sobre a questão hídrica que participou em Goiás. Prof. Reginaldo (centro), ao lado de Espingarda do Cordel (e) e Jénerson Alves (d) Durante o encontro no quarto do hospital, ocorrido na última semana, quando Olegário Filho, Nelson Lima, Val Tabosa, Dorge Tabosa, Nerisvaldo Alves e eu o visitamos, comprometemo-nos em procurar os meios para imprimir o cordel sobre o Rio Ipojuca, sim. Além disso, vamos realizar – em n...