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Cordel: É nascido o Deus-Menino - por Jénerson Alves

  I Pelos olhos de Maria, Se acaso eu pudesse ver, Faltando menos de um mês Pr’o milagre acontecer. Por certo, ela estava orando; E cada segundo contando Pr’o Filho de Deus nascer. II Maria seguia a lida Entre ternas orações. Nos seus seios, o colostro; No seu ventre, contrações; No seu coração, amor Por gerar o Salvador, Desejado das nações. III A Doce Mãe do Senhor Recordava todo dia Da visita do Arcanjo Com a voz da profecia. Hoje, o relato nós lemos. Como o Arcanjo, dizemos: “Agraciada Maria!” IV Santa Virgem visitada Pelo Anjo de Elohim, Disse a ele: “Eis Tua serva, Cumpra Teu querer em mim”. Da maneira de Maria, Devemos nós todo dia Falar para Deus assim. V Se uma flor tivesse voz, Qual seria a voz da flor? Seria qual voz daquela  Que gerou o Redentor,  Nazarena meiga e calma, Que dizia: “Minha alma Se alegra no meu Senhor”. VI Quando o Bebê dava ‘chutes’ Com os santos pezinhos Seus, São José se aproximava Pra sentir seus apogeus. Nobre servo de Adonai Eleito pra ser o pai Do Uni

O Medo que me expulsa e leva ao paraíso - por Jénerson Alves

  O Medo! Essa constante e indesejada companhia! “Fiquei com medo e me escondi”, confessou Adão pouco antes de ser expulso do paraíso. O Medo evoca o desejo de fugir, evadir-se, esconder-se. Debandar-se. De quem? Do outro? Ou de si? À semelhança do primeiro homem, temo e tremo perante uma pergunta do Criador: “Ubi es?” (Onde estás?). Tal indagação não me coloca diante de um senhor barbudo, como o retratado por Michelangelo. Antes, posiciona-me diante de mim mesmo – e da minha humanidade. A essência adâmica que em mim habita é convocada a mirar-se em um espelho. E as palavras de Gustavo Corção fulgem como uma imagem: “Pássaro e lesma, o homem oscila entre o desejo de voar e de rastejar”. Como disse Pascal, sou “misto de grandeza e miséria”. E isso me amedronta. A meia distância do Logos e de Lúcifer, o Medo parece expulsar-me do Jardim do Éden, mas não sei o que há por trás do rio. Curiosamente, o Medo também me transporta para outro jardim: o Getsêmani. Ali, vejo o Mestre pos

A garota que via os sons - por Jénerson Alves

  Chamava-se Letícia. Garota de poucas palavras e muitos pensamentos. Cultivava uma discrição que às vezes parecia invisibilidade. Assim, esquivava-se de cantadas e paixonites que despertava nos garotos. Tinha apenas 16 anos, mas parecia ser mais velha – não por fora, sim por dentro. Uma alma antiga (ou seria eterna?) em um corpo jovem. Até que conheceu o Hilário. Um garoto sem grandes atrativos. Óculos garrafais, corpo delgado, face com espinhas. E ela sentiu-se atraída por ele. Um magnetismo maior do que qualquer afinidade corporal. Era como um ímã, um fio intangível puxava um ao outro. A ele, e somente a ele, Letícia teve coragem de contar seu segredo: ela via sons. Sim. Ouvir uma música poderia ser para ela uma experiência incrível ou trágica, pois cada melodia ganhava contornos específicos, os quais apontavam para o estado de espírito do compositor e/ou intérprete. Porém, o que mais a afligia não eram as canções, mas as palavras. Da boca de boa parte das pessoas, procedia

A lenda da Comadre Fulozinha - por Jénerson Alves

  Eu devia ter uns oito ou nove anos quando, pela primeira vez, ouvi falar sobre a Comadre Fulozinha. Eu morava em um bairro com ares de sítio. A rua ainda era um ambiente tranquilo para brincar, e os animais faziam parte do cenário. Em uma tarde qualquer, eu vi um cavalo com a crina amarrada, o que despertou minha curiosidade infantil. Um vizinho já idoso apontou para o equino e disse: “Foi a Comadre Fulozinha; eu bem que ouvi os assobios dela ontem”. E um arrepio de medo escorreu pelas minhas costas. Voltando para casa, contei à minha mãe o que se passara. Com os olhos arregalados e em tom grave, ela explicou-me: “Comadre Fulozinha é um ser que protege os animais e as plantas, abre porteiras de fazendas e gosta de amarrar a crina de cavalos”. Meio cético, indaguei-lhe se a tal Comadre existia mesmo. Lembro-me de cada palavra da resposta: “Eu nunca a vi, mas quando era pequena, ouvia muito aqueles assobios lá longe… e pai dizia pra ninguém sair de casa, pois a Comadre estava por

Sem segredo nos seus olhos - por Jénerson Alves

  Lovers in the moonlinght - Marc Chagall – Você olha de um jeito estranho… – ela soltou, e depois esbugalhou os olhos, surpresa com o que acabara de ouvir de si mesma. – Estranho? Como? – ele perguntou, franzindo os olhos. – Às vezes, assusta… Parece que você está vendo coisas de outro mundo… olha para os lados… ou fixa os olhos em um ponto aleatório… – tentou explicar, um tanto confusa. ***** Mal sabe que ela não foi a primeira pessoa dizer-lhe isso. Desde criança, os amigos apontavam para o jeito de mirar daquele garoto desengonçado. Nas fotos, dificilmente olhava para a câmera. Logo assim que as redes sociais começaram a surgir, algumas pessoas fizeram meio que uma ‘enquete’ nos comentários, ao reparar que ele sempre mirava locais improváveis: “Para onde ele olhava, afinal?” Não havia segredo nos seus olhos. Diferentemente de Lúcia, Francisco e Jacinta, não tivera visões angélicas. Seu olhar não avistava a escada celestial que fora vista por Ellen White. Distinto do

O bafo do Tempo - por Jénerson Alves

  Pode não parecer, mas eu tenho um ‘intrigado’. Sim, um ‘sujeito’ do qual não quero ver a face (se bem que nunca a vi) e sinto um certo asco apenas em ouvir o seu nome. Para não deixar minha meia-dúzia de leitores inquieta, vou logo revelando: esse meu ‘intrigado’ é o Tempo. Não quero vê-lo, tampouco conversar com ele. Se tal criatura sentar-se à minha frente, não o chamarei para tomar um café. Infelizmente, sinto que enfrentá-lo é uma luta inglória. Ontem mesmo tentei burlá-lo. E o que fiz? Algo simples. Liguei a televisão e programei a exibição de um filme que eu costumava assistir na Sessão da Tarde. Exatamente como fazia quando voltava da escola há alguns anos, preparei o leite com Nescau e as bolachas Maria. Queria sentir o gosto da infância nesses elementos. “Que imbecil!” Foi essa a exclamação que ouvi do Tempo, quando ele me avistou naquela circunstância. Chega pude sentir o bafo dele zombando na minha cara. Só não pude vê-lo – e já não tenho certeza se isso

As cordas do coração - por Jénerson Alves

  Em um opús culo chamado ‘A paz na família’, Francisco Faus compara o coração humano a um instrumento de cordas – a exemplo de um violino, de uma harpa, ou de um piano. Ora, para uma música harmoniosa ser extraída de um instrumento, é mister que um bom intérprete realize uma boa execução das notas musicais, observando elementos como compasso, tempo e melodia. Contudo, por mais virtuoso que seja o artista, é impossível interpretar uma bela música se as cordas do instrumento estiverem desafinadas. É impraticável apresentar um concerto com instrumentos dissonantes. Seguindo neste raciocínio, Faus é categórico: “(…) o coração também tem as suas cordas. Umas cordas que se chamam virtudes ou defeitos. São as cordas da humildade ou do orgulho, da fortaleza ou da moleza, da preguiça ou da laboriosidade, do otimismo ou pessimismo, da generosidade ou da mesquinhez… Virtudes que soam bem, ou defeitos que soam mal”. Assim, entendemos que as desarmonias não nascem, necessariamente, do que “os