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O Medo que me expulsa e leva ao paraíso - por Jénerson Alves

 



O Medo! Essa constante e indesejada companhia! “Fiquei com medo e me escondi”, confessou Adão pouco antes de ser expulso do paraíso. O Medo evoca o desejo de fugir, evadir-se, esconder-se. Debandar-se. De quem? Do outro? Ou de si? À semelhança do primeiro homem, temo e tremo perante uma pergunta do Criador: “Ubi es?” (Onde estás?).


Tal indagação não me coloca diante de um senhor barbudo, como o retratado por Michelangelo. Antes, posiciona-me diante de mim mesmo – e da minha humanidade. A essência adâmica que em mim habita é convocada a mirar-se em um espelho. E as palavras de Gustavo Corção fulgem como uma imagem: “Pássaro e lesma, o homem oscila entre o desejo de voar e de rastejar”. Como disse Pascal, sou “misto de grandeza e miséria”. E isso me amedronta. A meia distância do Logos e de Lúcifer, o Medo parece expulsar-me do Jardim do Éden, mas não sei o que há por trás do rio.


Curiosamente, o Medo também me transporta para outro jardim: o Getsêmani. Ali, vejo o Mestre posto em agonia. Em sua voz, o clamor de todos os aflitos. Aquele que não tinha fraqueza me ensina como agir em momentos de tensão. Não há razão para fugir, nem se esconder. Se há um cálice a ser tomado, tomá-lo-ei.


Temeroso, dou passos lentos para longe do meu Éden. Esperançoso, lanço mão da confiança de Bernanos: “até o Medo pode nos fazer entrar no paraíso”. Não mais o paraíso de Adão; agora, ao lado dAquele que disse “hodie mecum eris in paradiso” (hoje estarás comigo no paraíso).


Texto: Jénerson Alves

Imagem: Expulsion from the Garden of Eden (1828), de Thomas Cole.


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