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O bafo do Tempo - por Jénerson Alves

 



Pode não parecer, mas eu tenho um ‘intrigado’. Sim, um ‘sujeito’ do qual não quero ver a face (se bem que nunca a vi) e sinto um certo asco apenas em ouvir o seu nome. Para não deixar minha meia-dúzia de leitores inquieta, vou logo revelando: esse meu ‘intrigado’ é o Tempo. Não quero vê-lo, tampouco conversar com ele. Se tal criatura sentar-se à minha frente, não o chamarei para tomar um café.


Infelizmente, sinto que enfrentá-lo é uma luta inglória. Ontem mesmo tentei burlá-lo. E o que fiz? Algo simples. Liguei a televisão e programei a exibição de um filme que eu costumava assistir na Sessão da Tarde. Exatamente como fazia quando voltava da escola há alguns anos, preparei o leite com Nescau e as bolachas Maria. Queria sentir o gosto da infância nesses elementos.


“Que imbecil!”


Foi essa a exclamação que ouvi do Tempo, quando ele me avistou naquela circunstância. Chega pude sentir o bafo dele zombando na minha cara. Só não pude vê-lo – e já não tenho certeza se isso foi porque o Tempo é invisível ou se foi por causa do astigmatismo…


Enquanto o Tempo zombava de mim, fui subitamente abraçado por uma senhora. Repeti Camões: “Que me quereis, perpétuas saudades?”. Poderia uma lágrima ter caído da minha face, mas acho que essa fonte está meio seca (ou só meio cheia…).


Texto: Jénerson Alves

Imagem: Detalhe de ‘A persistência da memória’, de Salvador Dalí


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