Pular para o conteúdo principal

As cordas do coração - por Jénerson Alves

 

Em um opúsculo chamado ‘A paz na família’, Francisco Faus compara o coração humano a um instrumento de cordas – a exemplo de um violino, de uma harpa, ou de um piano. Ora, para uma música harmoniosa ser extraída de um instrumento, é mister que um bom intérprete realize uma boa execução das notas musicais, observando elementos como compasso, tempo e melodia. Contudo, por mais virtuoso que seja o artista, é impossível interpretar uma bela música se as cordas do instrumento estiverem desafinadas. É impraticável apresentar um concerto com instrumentos dissonantes.


Seguindo neste raciocínio, Faus é categórico: “(…) o coração também tem as suas cordas. Umas cordas que se chamam virtudes ou defeitos. São as cordas da humildade ou do orgulho, da fortaleza ou da moleza, da preguiça ou da laboriosidade, do otimismo ou pessimismo, da generosidade ou da mesquinhez… Virtudes que soam bem, ou defeitos que soam mal”. Assim, entendemos que as desarmonias não nascem, necessariamente, do que “os outros fazem ou dizem”, mas de como nosso coração recebe as palavras e ações que a ele chegam.


Temos de prestar atenção à música que nosso coração toca, bem como ouvir o canto do coração do nosso próximo. O filósofo Abraham Kaplar já apontou que é necessário superar o “duólogo”, isto é, conversas em que as pessoas falam para si mesmas e não se abrem para o verdadeiro diálogo, que acontece com alteridade e empatia. O maior exemplo está em Deus. Já no Antigo Testamento, o salmista testifica que o Senhor “se inclina” para nos ouvir (Sl 116), o que indica uma escuta permanente e empática. Que possamos ouvir o que nossos irmãos e irmãs expressam; e que possamos compor belas canções em nosso interior, sabendo que o Pai das Luzes nos ouve continuamente.



Texto: Jénerson Alves

Imagem: Interior with Woman at Piano, Strandgade 30, por Vilhelm Hammershøi

Postagens mais visitadas deste blog

Professor Reginaldo Melo

por Jénerson Alves Texto publicado na Coluna Dois Dedos de Prosa, do Jornal Extra de Pernambuco - ed. 625 Ao lado de outros poetas de Caruaru, entrei no apartamento onde o professor Reginaldo Melo está internado há três semanas, em um hospital particular. Ele nos recebeu com alegria, apesar da fragilidade física. Com a voz bem cansada, quase inaudível, um dos primeiros assuntos que ele pediu foi: “Ajudem-me a publicar o cordel sobre o Rio Ipojuca, que já está pronto, só falta ser levado à gráfica”. Coincidentemente, ele estava com uma camisa de um Encontro sobre a questão hídrica que participou em Goiás. Prof. Reginaldo (centro), ao lado de Espingarda do Cordel (e) e Jénerson Alves (d) Durante o encontro no quarto do hospital, ocorrido na última semana, quando Olegário Filho, Nelson Lima, Val Tabosa, Dorge Tabosa, Nerisvaldo Alves e eu o visitamos, comprometemo-nos em procurar os meios para imprimir o cordel sobre o Rio Ipojuca, sim. Além disso, vamos realizar – em n

Apeirokalia

Do grego, a palavra ‘apeirokalia’ significa “falta de experiência das coisas mais belas”. A partir deste conceito, compreende-se que o sujeito que não tem acesso a experiências interiores que despertem o desejo pelo Belo, pelo Bem e pelo Verdadeiro durante a sua formação, jamais alcançará o horizonte de consciência dos sábios. A privação às coisas mais belas predomina em nosso país. Desconhecemos biografias de nossos ancestrais – ou, quando conhecemos, são enfatizados aspectos pouco louváveis de suas personalidades. As imagens identitárias do nosso povo são colocadas a baixo. Esculturas, construções, edificações, pinturas são pouco apresentadas. Até a nossa língua tem sido violada com o distanciamento do vernáculo e do seu significado.   A música real tem perdido espaço para séries de ritmos abomináveis. Este problema perpassa por uma distorção da cosmovisão sobre o próprio ser humano. Hedonista, egocêntrico e materialista, o homem moderno busca simplesmente o seu bem-estar.

O gato vaidoso - poema de Jénerson Alves

Dois felinos residiam Em uma mesma mansão, Mas um percorria os quartos; Outro, somente o porão. Eram iguaizinhos no pelo, Contudo, na sorte, não. Um tinha mimo e ração; O outro, lixo e perigo. Um vivia igual um príncipe; O outro, feito um mendigo (Que sem cometer delito Sofre só o seu castigo). No telhado do abrigo Certa vez se encontraram. Ante a tela do contraste, Os dois bichanos pararam E a Lua foi testemunha Do diálogo que travaram. Quando eles se olharam, Disse o rico, em tom amargo: “Tu és mísero vagabundo, Eu sou do mais alto cargo! Sou nobre, sou mais que tu! Portanto, passa de largo!” O pobre disse: “O teu cargo Foi a sorte quem te deu! Nasceste em berço de luxo, Cresceste no apogeu! Mias, caças, comes ratos… Em que és mais do que eu? Logo, este orgulho teu Não há razão pra ser forte… Vieste nu para a vida, Nu voltarás para a morte! Não chames, pois, de nobreza O que é apenas sorte”. Quem não se impor