Pular para o conteúdo principal

Aquela faminta e atra mulher... - por Jénerson Alves

 



O ano de 2022 está indo embora, levando consigo, ‘no apagar das luzes’, o Rei do Futebol. Outras personalidades também partiram ao longo dos últimos 12 meses, como a Rainha Elizabeth II, a escritora Nélida Piñon, a cantora Gal Costa, o cineasta Jean-Luc Godard, a atriz Claudia Jimenez, o humorista Jô Soares, o cantor Rolando Boldrin, a escritora Lygia Fagundes Telles, a pastora Ludmila Ferber, o cronista Arnaldo Jabor, a cantora Paulinha Abelha e o filósofo Olavo de Carvalho.


Distante das manchetes jornalísticas, também houve perdas. Viúvas lamentaram, órfãos choraram, netos derramaram prantos. A Morte, chamada por Augusto dos Anjos de “faminta e atra mulher”, possui uma fome insaciável. E democrática. Ela não distingue posições políticas, cor da epiderme, posição social ou origem regional. “O caixão negro não dispensa passageiro”, canta o poeta cearense Francisco Emídio.


Eu fui um dos tantos que choraram a perda de entes queridos neste ano. Às vezes, pranteio sem lágrimas, mas com o coração a pandarecos. A morte de outro é um pouco nossa. Ela é uma parada derradeira que aguarda a todos. Perante o cortejo funéreo, toda despedida é um “até logo”; mais dia ou menos dia, seremos nós que estaremos com os olhos fechados e o corpo em putrefação.


Na famosa novela de Tolstoi, em seus últimos segundos Ivan Ilitch diz de si para si mesmo: “A morte está acabada; não existe mais”. Meu desejo é, ao chegar minha hora, encontrar-me com Aquele que disse: “Ego sum resurrectio et vita: qui credit in me, etiam si mortuus fuerit, vivet”.



Texto: Jénerson Alves

Imagem: Morte e a Donzela, de Egon Schiele



Postagens mais visitadas deste blog

Professor Reginaldo Melo

por Jénerson Alves Texto publicado na Coluna Dois Dedos de Prosa, do Jornal Extra de Pernambuco - ed. 625 Ao lado de outros poetas de Caruaru, entrei no apartamento onde o professor Reginaldo Melo está internado há três semanas, em um hospital particular. Ele nos recebeu com alegria, apesar da fragilidade física. Com a voz bem cansada, quase inaudível, um dos primeiros assuntos que ele pediu foi: “Ajudem-me a publicar o cordel sobre o Rio Ipojuca, que já está pronto, só falta ser levado à gráfica”. Coincidentemente, ele estava com uma camisa de um Encontro sobre a questão hídrica que participou em Goiás. Prof. Reginaldo (centro), ao lado de Espingarda do Cordel (e) e Jénerson Alves (d) Durante o encontro no quarto do hospital, ocorrido na última semana, quando Olegário Filho, Nelson Lima, Val Tabosa, Dorge Tabosa, Nerisvaldo Alves e eu o visitamos, comprometemo-nos em procurar os meios para imprimir o cordel sobre o Rio Ipojuca, sim. Além disso, vamos realizar – em n

Apeirokalia

Do grego, a palavra ‘apeirokalia’ significa “falta de experiência das coisas mais belas”. A partir deste conceito, compreende-se que o sujeito que não tem acesso a experiências interiores que despertem o desejo pelo Belo, pelo Bem e pelo Verdadeiro durante a sua formação, jamais alcançará o horizonte de consciência dos sábios. A privação às coisas mais belas predomina em nosso país. Desconhecemos biografias de nossos ancestrais – ou, quando conhecemos, são enfatizados aspectos pouco louváveis de suas personalidades. As imagens identitárias do nosso povo são colocadas a baixo. Esculturas, construções, edificações, pinturas são pouco apresentadas. Até a nossa língua tem sido violada com o distanciamento do vernáculo e do seu significado.   A música real tem perdido espaço para séries de ritmos abomináveis. Este problema perpassa por uma distorção da cosmovisão sobre o próprio ser humano. Hedonista, egocêntrico e materialista, o homem moderno busca simplesmente o seu bem-estar.

O gato vaidoso - poema de Jénerson Alves

Dois felinos residiam Em uma mesma mansão, Mas um percorria os quartos; Outro, somente o porão. Eram iguaizinhos no pelo, Contudo, na sorte, não. Um tinha mimo e ração; O outro, lixo e perigo. Um vivia igual um príncipe; O outro, feito um mendigo (Que sem cometer delito Sofre só o seu castigo). No telhado do abrigo Certa vez se encontraram. Ante a tela do contraste, Os dois bichanos pararam E a Lua foi testemunha Do diálogo que travaram. Quando eles se olharam, Disse o rico, em tom amargo: “Tu és mísero vagabundo, Eu sou do mais alto cargo! Sou nobre, sou mais que tu! Portanto, passa de largo!” O pobre disse: “O teu cargo Foi a sorte quem te deu! Nasceste em berço de luxo, Cresceste no apogeu! Mias, caças, comes ratos… Em que és mais do que eu? Logo, este orgulho teu Não há razão pra ser forte… Vieste nu para a vida, Nu voltarás para a morte! Não chames, pois, de nobreza O que é apenas sorte”. Quem não se impor