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sábado, 16 de abril de 2022

Carta de um soldado romano à sua esposa - por Jénerson Alves

 



Minha amada Lucrécia,


Espero que estejas bem e saudável. Sempre rezo aos deuses por nossa família. Escrevo-te para dizer que nesta missão no poderoso exército romano tenho sido acompanhado pela saudade de ti. Oh, quanto pulsa meu coração com vontade de rever a ti e às crianças! Há neste sentimento um peso maior do que todo o arsenal da nossa legião.


Quero, porém, relatar um fato ocorrido recentemente que muito me intrigou. Por esses dias, foi crucificado um certo Yeshua, que era chamado Rei dos Judeus. Fizemos para ele uma coroa de espinhos. Pusemo-la sobre ele e vestimo-lo com púrpura. Fitando seu rosto ensanguentado, zombamos dele e o esbofeteamos. Ele mantinha um inexplicável e inquietante silêncio.


Foi mandado ao Calvário, carregando o lenho. Pena capital comum a tantos criminosos, como bem sabes, minha querida. Porém, confesso-te que havia algo distinto neste crucificado. Durante todo o tempo, seus olhos reluziam um certo brilho, para os quais eu não conseguia olhar sem sentir uma comoção. Ele parecia me enxergar por dentro – e, de dentro dos seus olhos, parecia fluir uma fonte de bondade.


Poucas foram as palavras ditas por esse tal Yeshua. Uma dessas frases, amada minha, foi “Tenho sede”. Em vez de água, demos-lhe vinagre. Ele recusou. Depois, curvou a cabeça e expirou. Nesse momento, o sol se escondeu e a escuridão cobriu a terra. Sobre mim, porém, repousou o peso da dúvida. Passo os dias como que ouvindo uma voz me dizer que aquele homem era justo. E, pensando nele, sou eu que agora sinto sede – não de água, muito menos de vinagre. É uma sede da fonte de bondade que parecia fluir daqueles olhos…


Sobre esse assunto e outros mais, pretendo conversar contigo pessoalmente, ó minha amada Lucrécia.


Da parte de Cassius, soldado da legião romana.



Texto: Jénerson Alves

Imagem: The arrest of Christ, de Caravaggio



terça-feira, 27 de julho de 2021

A Vocação de São Mateus

 


Dentre as obras de Caravaggio, ‘A Vocação de São Mateus’ é uma das que mais provocam debates e reflexões. A tela, com traços realistas, parece fazer saltar ao mundo real o que está expresso no versículo 09 do capítulo 09 do Evangelho de S. Mateus: “Passando por ali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria, e disse-lhe: ‘Siga-me’. Mateus levantou-se e o seguiu”.


O domínio da luz, inerente à verve do pintor barroco, é evidente na obra. O contraste da luz que entra pela janela no ambiente escuro parece representar o contato do mundo espiritual com o terreno – este reproduzido no grupo de pessoas à mesa e aquele pela figura do Senhor Jesus Cristo ao lado de São Pedro.


Os indivíduos sentados à mesa parecem ter idades e posições sociais distintas. O mais relevante deles é Mateus, trajado de forma elegante e com uma postura de proeminência. Sem dúvida, uma boa exibição do que seria a conduta dos cobradores de impostos do primeiro século.


No texto neotestamentário, o verbo que foi traduzido por ‘ver’ é ‘theáomai’, que tem o significado de ‘mirar com atenção’, dando a ideia que o Senhor estava contemplando o caráter de Mateus quando do seu chamamento. Na tela, essa concepção ganha ainda mais força através do desenho da mão de Cristo, que possui uma relação intertextual com a ‘Criação de Adão’, de Michelangelo. Se o fresco presente na Capela Sistina indica a força divina criadora, a tela do pintor de Merisi aponta para o mistério da salvação.


Da mesma forma que o chamamento do Mestre transformou o publicano em evangelista, a luz que dEle emana chega a cada um de nós como um convite à plenitude do amor. Que possamos aplicar o exemplo de Mateus e, levantando-nos, decidamos ficar ao lado de Jesus.


Jénerson Alves

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Crucificação de São Pedro


Crocificione di San Pietro é uma das mais conhecidas obras de Caravaggio. Produzida em 1601, encontra-se na Capela de Santa Maria del Popolo, em Roma. No quadro, é possível observar a técnica do chiaroscuro (mistura de luz e sombra) utilizada magistralmente pelo pintor. Com estética barroca, o fusionismo presente na imagem expressa elementos da oposição humano x divino.

Chama a atenção na obra o descomunal esforço envidado pelos algozes do Apóstolo. Apesar de longevo, o peso de S. Pedro é superior à força dos carrascos – dos quais, diga-se de passagem, não são revelados os rostos. Por sua vez, o discípulo do Senhor Jesus apresenta uma face serena, a despeito de estar frente à morte. A tranquilidade expressa na tela difere do caráter impulsivo do jovem Pedro demonstrado nos Evangelhos, aproximando-se da personalidade demonstrada em suas cartas, escritas na velhice do Apóstolo.

Ainda observando o quadro, vemos que o artista retratou a tradição cristã de que Pedro teria morrido crucificado de cabeça para baixo. Segundo os relatos, o Apóstolo não se sentia digno de ter uma morte similar à do Mestre. Supõe-se que Pedro tenha sido crucificado no ano 65, sob a perseguição de Nero.

Na sua segunda epístola, provavelmente redigida no ano 60, Pedro já admoestava aos cristãos da época acerca da proximidade de seu falecimento. “Sabendo que brevemente hei de deixar este meu tabernáculo, como também nosso Senhor Jesus Cristo já mo tem revelado” (II Pedro 1:14). A revelação de Cristo acerca da morte do discípulo deu-se após a ressurreição do Senhor, no momento em que Jesus lhe diz: “Quando já fores velho, estenderás as tuas mãos, e outro te cingirá, e te levará para onde tu não queiras”, conforme está registrado no Evangelho de São João, capítulo 21.

A morte do Apóstolo Pedro revela o testemunho de um homem que se manteve fiel à sua fé. Ele era um rude pescador nascido em Betsaida, na Galileia, que ouviu o chamado de Jesus para ser feito “pescador de homens”.  Após soltar os remos e as redes do barco e caminhar com o Carpinteiro, presenciou milagres e maravilhas. Essa experiência fê-lo exclamar a essência da igreja cristã: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus Vivo” (Mt 16:16). Acerca desta confissão, explica-nos o padre Antônio Vieira no Sermão de São Pedro, pregado em Lisboa em 1644:

“Cristo é Filho de Deus, e nós também somos filhos de Deus: Dedit eis potestatem Filios Dei fieri. Em que se distingue logo Cristo de nós? Em que Cristo é Filho de Deus vivo, nós somos filhos de Deus morto. Cristo Filho de Deus vivo, porque Deus, que é imortal, o gerou ab aeterno; nós filhos de Deus morto, porque o mesmo Cristo, morto nos braços da cruz, foi o que nos gerou de novo e nos deu este segundo e mais sublime nascimento”.


Jénerson Alves

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