Lovers in the moonlinght - Marc Chagall |
– Você olha de um jeito estranho… – ela soltou, e depois esbugalhou os olhos, surpresa com o que acabara de ouvir de si mesma.
– Estranho? Como? – ele perguntou, franzindo os olhos.
– Às vezes, assusta… Parece que você está vendo coisas de outro mundo… olha para os lados… ou fixa os olhos em um ponto aleatório… – tentou explicar, um tanto confusa.
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Mal sabe que ela não foi a primeira pessoa dizer-lhe isso. Desde criança, os amigos apontavam para o jeito de mirar daquele garoto desengonçado. Nas fotos, dificilmente olhava para a câmera. Logo assim que as redes sociais começaram a surgir, algumas pessoas fizeram meio que uma ‘enquete’ nos comentários, ao reparar que ele sempre mirava locais improváveis: “Para onde ele olhava, afinal?”
Não havia segredo nos seus olhos. Diferentemente de Lúcia, Francisco e Jacinta, não tivera visões angélicas. Seu olhar não avistava a escada celestial que fora vista por Ellen White. Distinto dos místicos modernos, não via auras, energias, elementais ou lampejos cósmicos.
Ele olhava longe porque olhava para dentro. Apesar da face aparentemente inerte, seu coração embebecia-se de amor. O prosaico o encantava, o corriqueiro o comovia, o cotidiano o conduzia ao céu. Buscara no dicionário um sinônimo para o que sentia, mas não achou verbete à altura.
Tivesse ele o hábito de ler Gustavo Corção, identificar-se-ia com uma passagem: “O amor humano, configurado à vida física do homem, tem esse estranho itinerário: parte do paraíso para o mundo; (…) e deixando guardada a beleza com que se compõem as óperas e as baladas, reveste-se da obscura, da paciente, da humilde bondade – da pura bondade que é a própria essência do amor”.
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– Tá vendo? Você está fazendo de novo? – a voz meio irritada da garota o tira de seus devaneios.
– Sabe o que é? Vou explicar…
– Explique!
– Não é nada, não...