Me acostumei a estar só. Desde sempre. Lembro-me da minha professora de alfabetização comentando com meu pai que eu não tinha coleguinhas na sala. Anos mais tarde, já adolescente, eu passava os intervalos na biblioteca da escola. Temia os corredores. Joguei pouco, sorri pouco, briguei pouco, amei menos ainda. Eu me achava tão inadequado que, às vezes, não gostava da minha própria companhia.
Quando conheci a mensagem do Evangelho, fui liberto (em parte) dessa autoestima baixa. Entendi que o Verbo se fez carne por amor; que a morte de Cristo foi substitutiva; que nEle estavam não apenas os pecados, mas as enfermidades (do corpo e da alma) e que por meio das Suas feridas nós somos sarados. Tive de aceitar que se o Onipotente se preocupa com a minha existência, eu não posso me desprezar.
No entanto, a consciência evangélica também acentuou meu sentimento de não-pertencer. O “não fazer parte deste mundo” me colocou em uma situação alienígena. Eu via pecado em tudo. Não conseguia enxergar em meu próximo o alvo do amor divino. Não tive condições de amar o meu semelhante porque não amava a mim mesmo o suficiente. Decorei dezenas de versículos, verbetes, jargões, mas o fulgor da Verdade não transparecia em mim.
Frequentei vigílias, cultos, cruzadas, evangelismos, louvores, orações... minhas visitas às igrejas foram marcadas pela invisibilidade. Nesses lugares, quem não faz parte da elite, não é visto. Passei muitas madrugadas de joelhos. Fui “batizado com o Espírito Santo”. Orei muito em línguas. Profetizei. Preguei o Evangelho.
De repente, me vi em uma crise de fé. Mas a Sua mão me ajudou. Hoje, após os cacos terem sido colados, busco uma espiritualidade existencialista. Quero encontrar o Eterno nos mínimos detalhes da vida. Quero que os segundos de alegria superem as noites de lamúrias. Quero que a sensibilidade ao irmão seja maior do que os momentos de reflexão bíblica. Quero que a indignação por causa das injustiças sociais sobrepuje o egocentrismo. Quero encontrar amigos, brincar com o vento, namorar as estrelas, embriagar-me com o vinho dos sonhos.
Também me sinto solitário nessa empreitada. Incompreendido. Como eu queria que entendessem que minhas ideias não são tão perigosas assim... Como eu queria que o som do meu coração entrasse em sintonia com o dos outros... Bobagem minha...