Pular para o conteúdo principal

Perdi a cabeça com a pergunta

Cheguei no buffet para realizar o casamento.
Praticamente ninguém cristão. Um pastor era apenas para satisfazer o desejo da mãe do noivo.

Situação constrangedora por si só e mais ainda porque marcaram comigo um horário em que a festa já estava rolando e para realizar a cerimônia teria que interromper a bebedeira.

Quando anunciaram o pastor ouvi gracejos que me levaram ao arrependimento de estar ali.

Conseguimos o silêncio, cerimônia realizada e passando por entre os festivos convidados, um senhor daquele tipo que mesmo sem estar em situação de risco etílico, aproveita-se do copo para mostrar-se "o tal, gritou:

— Ô crente!
Desde minha adolescência não ouvia essa expressão para zombar.

— Seu Deus ajuda um lutador a ganhar uma luta, mas nem se importa com uma mãe pobre que perde seu filho para uma simples diarréia? Que me diz?

Confesso que nessas horas milhares de pensamentos tentam me dominar e me fazer perder a cabeça. Olhei bem para ele a fim de propositadamente constranger e consegui:

— Você sabe alguma coisa sobre Deus? Você de fato se preocupa com essa mãe,ou fica no sofá com cerveja na mão assistindo a luta e viu essa frase no facebook e achou que era genial?

Escutei baixinho quase um coro: "viiixi".
Ele forçou uma gargalhada amarela e continuou:

— E aí, que me diz? Sem saída?

Percebi que não devia ter agido assim. Acabei dando corda e montando uma cena horrível. Mas com o octógono armado e a contrariedade de meu humor naquele instante:

— Não é uma questão de resposta, já que isso aqui é uma troca de argumentos e não ações que resolvem a vida. Pelo que observo, para você mesmo, sua pergunta não faz sentido.

Ele, riu alto, se virou para todos que assistiam e disse sem me encarar:

— Ah tá; fugindo da raia. Conheço isso.

Quase sem deixá-lo terminar, assumi a questão:

— Você diz que Deus ajudou o lutador porque acredita em Deus ou porque acredita no lutador?

Menos zombador e mais ríspido, apontando o dedo com a mão que segurava o copo:

— Eu não acredito em Deus e estou apenas repetindo o que o lutador disse.

— Então está claro que você não acredita em Deus e nem no lutador, logo, conforme eu disse, se você não dá crédito a nenhum, para você essa pergunta não faz sentido e perguntar coisas sem sentido não levam a nada e é coisa de insano. E você há der convir comigo que pergunta sem sentido não há razão para ser respondida.
Caso você queria compreender o sentido da vida que eu dou e quiser de fato saber sobre Deus e porque eu creio, poderemos um dia conversar, por enquanto continue desfrutando da festa porque para isso você está aqui, então não estrague momentos assim, eles não voltam mais. Me desculpe, mas se quiser dar um significado valioso à sua vida não fique assistindo luta na TV perguntando porque Deus não salva a criança. Vá lá e salve você.

Me virei e mais a frente olhei para trás e lá estava ele agora sim, com uma cara de perguntas importantes para si mesmo.

Depois nos acertamos e até rimos.


(Eliel Batista, via Facebook)

Postagens mais visitadas deste blog

Professor Reginaldo Melo

por Jénerson Alves Texto publicado na Coluna Dois Dedos de Prosa, do Jornal Extra de Pernambuco - ed. 625 Ao lado de outros poetas de Caruaru, entrei no apartamento onde o professor Reginaldo Melo está internado há três semanas, em um hospital particular. Ele nos recebeu com alegria, apesar da fragilidade física. Com a voz bem cansada, quase inaudível, um dos primeiros assuntos que ele pediu foi: “Ajudem-me a publicar o cordel sobre o Rio Ipojuca, que já está pronto, só falta ser levado à gráfica”. Coincidentemente, ele estava com uma camisa de um Encontro sobre a questão hídrica que participou em Goiás. Prof. Reginaldo (centro), ao lado de Espingarda do Cordel (e) e Jénerson Alves (d) Durante o encontro no quarto do hospital, ocorrido na última semana, quando Olegário Filho, Nelson Lima, Val Tabosa, Dorge Tabosa, Nerisvaldo Alves e eu o visitamos, comprometemo-nos em procurar os meios para imprimir o cordel sobre o Rio Ipojuca, sim. Além disso, vamos realizar – em n

Apeirokalia

Do grego, a palavra ‘apeirokalia’ significa “falta de experiência das coisas mais belas”. A partir deste conceito, compreende-se que o sujeito que não tem acesso a experiências interiores que despertem o desejo pelo Belo, pelo Bem e pelo Verdadeiro durante a sua formação, jamais alcançará o horizonte de consciência dos sábios. A privação às coisas mais belas predomina em nosso país. Desconhecemos biografias de nossos ancestrais – ou, quando conhecemos, são enfatizados aspectos pouco louváveis de suas personalidades. As imagens identitárias do nosso povo são colocadas a baixo. Esculturas, construções, edificações, pinturas são pouco apresentadas. Até a nossa língua tem sido violada com o distanciamento do vernáculo e do seu significado.   A música real tem perdido espaço para séries de ritmos abomináveis. Este problema perpassa por uma distorção da cosmovisão sobre o próprio ser humano. Hedonista, egocêntrico e materialista, o homem moderno busca simplesmente o seu bem-estar.

O gato vaidoso - poema de Jénerson Alves

Dois felinos residiam Em uma mesma mansão, Mas um percorria os quartos; Outro, somente o porão. Eram iguaizinhos no pelo, Contudo, na sorte, não. Um tinha mimo e ração; O outro, lixo e perigo. Um vivia igual um príncipe; O outro, feito um mendigo (Que sem cometer delito Sofre só o seu castigo). No telhado do abrigo Certa vez se encontraram. Ante a tela do contraste, Os dois bichanos pararam E a Lua foi testemunha Do diálogo que travaram. Quando eles se olharam, Disse o rico, em tom amargo: “Tu és mísero vagabundo, Eu sou do mais alto cargo! Sou nobre, sou mais que tu! Portanto, passa de largo!” O pobre disse: “O teu cargo Foi a sorte quem te deu! Nasceste em berço de luxo, Cresceste no apogeu! Mias, caças, comes ratos… Em que és mais do que eu? Logo, este orgulho teu Não há razão pra ser forte… Vieste nu para a vida, Nu voltarás para a morte! Não chames, pois, de nobreza O que é apenas sorte”. Quem não se impor