Ainda trabalhando no Jornal Extra de Pernambuco, tive a oportunidade de entrevistar o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), quando da sua passagem por Caruaru, em 25 de setembro de 2015. A entrevista foi publicada no seminário e agora eu a reproduzo aqui. Confiram:
JORNAL EXTRA – Senador, ontem (24 de setembro), o
senhor esteve no Teatro Santa Isabel, em Recife, assistindo ao espetáculo ‘Auto
das Sete Luas de Barro’ e sendo homenageado. Que avaliação faz daquele momento?
Crédito da foto: Arnaldo Felix/Divulgação |
Além disso, o que foi formidável foi assistir à peça
de teatro sobre o Vitalino. Foi uma das peças mais belas que assisti em muitos
anos. Gostei demais. Grandes atores, uma bela história, uma iluminação
perfeita, música bonita e um personagem dos mais expressivos da história do
Brasil, sobretudo na cultura, que foi Vitalino.
JORNAL EXTRA – E hoje (25.09) o senhor esteve em
Toritama. O que o motivou a fazer essa viagem?
CRISTOVAM BUARQUE – Para mim, hoje foi especial. Eu
vim a Toritama pela segunda vez. Há exatamente 10 anos eu estive aqui. Em 2005,
no começo do ano, o presidente Lula veio a Toritama e, quando ele desceu do
helicóptero, um grupo de garotos veio para falar com ele. O jornal Folha de S.
Paulo tirou uma foto do presidente agachado, conversando com esses meninos, sem
camisa, pobres. Naquela época, eu vim ver quem eram aqueles meninos. Conversei
com eles, com os pais, com a professora, visitei a escola. Escrevi uma carta ao
Lula, dizendo quem eram aqueles meninos – que pela foto ninguém sabe quem é. Eu
disse, na carta, que a situação desses meninos era trágica, mas ele não era
culpado, pois havia chegado agora na presidência, mas se em dez anos isso não
mudasse, a culpa seria dele. Eu fui vê-los.
JORNAL EXTRA – O senhor consegui identificá-los?
CRISTOVAM BUARQUE – Todos eles. Só não encontrei um, pois estava ‘fazendo um
bico’ fora. Novamente, conversei com os pais, com a professora, visitei a
escola.
JORNAL EXTRA – E como eles estão?
CRISTOVAM BUARQUE – Nada mudou. Nenhum desses
meninos teve um rumo na vida. Todos abandonaram a escola antes do final do
Ensino Fundamental. Nenhum deles tem um emprego satisfatório. A menina, hoje
com 16 anos, já tem filho. Eu estive com ela, carreguei o filho dela nos
braços. Vou escrever uma carta, mostrando que estes dez anos, para esta
geração, foram dez anos perdidos.
JORNAL EXTRA – Mas este ano surgiu o slogan ‘Brasil,
Pátria Educadora’...
CRISTOVAM BUARQUE – O que eu vi, desmoraliza
completamente o slogan ‘Pátria Educadora’. Totalmente. Então, fico pensando:
“este menininho que carreguei no braço, filho da menina: qual o futuro dele?”
Se nós não tomarmos algumas decisões muito rápidas, o futuro dele vai ser igual
ao da mãe. Ou seja, sem futuro.
Eles trabalham em confecções, ganhando uma ninharia,
a mãe recebe Bolsa Família, que não dá quase para nada. É trágica a situação.
Não foi feito praticamente nada nesses últimos dez anos.
JORNAL EXTRA – O senhor mencionou a questão da
confecção. Os políticos jactam-se do Polo Têxtil, por ser positivo
economicamente. Porém, o senhor concorda que há um custo social por trás dele?
CRISTOVAM BUARQUE – É tão positivo, do ponto de
vista econômico, quanto o Bolsa Família. Ou seja, é um positivo ‘desse
tamanhinho’ (fazendo sinal com os dedos, simbolizando ‘pouca coisa’).
Lamentavelmente, nós nos satisfazemos com pouco. O Brasil é melhor com o Bolsa
Família do que sem ele, mas, se daqui a dez anos ainda precisarmos do Bolsa
Família, é uma tragédia histórica. O Brasil não tem conseguido fazer que as
pessoas sobrevivam com dignidade. A casa que visitei dessa menina, cuja mãe
recebe Bolsa Família, é de absoluta penúria.
E como não ser penúria, com R$ 200 por mês?
Mesma coisa é o programa das confecções. É claro que
é melhor com elas do que sem elas. Eles estariam passando fome e não estão.
Porém, é um trabalho manual, sem a menor qualificação, que dá um salário um
pouco maior do que um salário mínimo, mas com uma vulnerabilidade muito grande.
Basta amanhã os chineses conseguirem exportar jeans barato para cá, que acaba
tudo aquilo. Não tem como sobreviver. Não
é um emprego permanente. Eles não têm carteira profissional assinada, não têm
13º salário ou férias.
Aí você me diz: “e vai fazer o quê?” Se aqueles
garotos da foto, e tantos outros, tivessem recebido uma boa educação, eles
estariam muito melhores do que no trabalho das facções. Podiam estar fazendo
moda, podiam estar criando.
JORNAL EXTRA – O memorável educador Rubem Alves
dizia que as escolas, muitas vezes, são verdadeiras gaiolas. É o tipo de
Educação implementado que não responde às demandas da sociedade?
CRISTOVAM BUARQUE – Veja bem. O Rubem Alves é
correto na crítica que faz, mas é a crítica do educador, aquele que pensa a
sala de aula. Mas a minha crítica é do educacionista, o que pensa todas as
salas de aula. Eu estou de acordo com ele, que a sala de aula como é hoje
termina sendo uma gaiola. Mas, sem a sala de aula, a gente tem o Mediterrâneo
afogando as pessoas, como está afogando os sírios agora. Uma escola-gaiola é
melhor do que nenhuma. Na escola-gaiola, é possível abrir a porta e deixar o
pássaro voar. A não-escola é uma gaiola sem porta, uma prisão definitiva.
JORNAL EXTRA – Então, universalizar o acesso ainda é
um desafio no Brasil?
CRISTOVAM BUARQUE – O acesso à matrícula, hoje, é
quase 100%. Mas tem de ser o acesso não só à matrícula, mas também à frequência
(uns se matriculam, mas não frequentam), à assistência (outros frequentam, mas
ficam ali brincando, ou ‘fazendo bagunça’, como chamam), e à permanência. Só
40% dos alunos chegam ao final do Ensino Médio. E essa permanência tem de ser
com aprendizado (aí não chega a 20% dos adolescentes brasileiros). O Brasil diz
que universalizou a Educação, mas apenas universalizou o acesso à matrícula.