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Entrevista com Frei Betto

Análise


Um dos maiores intelectuais do país faz uma análise da conjuntura política, social e religiosa do Brasil, além de propor alterações no modelo educacional da sociedade






JORNAL EXTRA – O senhor lutou contra o regime militar, em prol da democratização do Brasil. Como foi essa experiência?


FREI BETTO – Essa experiência está relatada nos livros “Cartas da Prisão” (Agir), “Batismo de Sangue” (Rocco) e no recém lançado “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco). Foi uma experiência de muito sofrimento, porém compensada pela conquista da redemocratização do Brasil.






JORNAL EXTRA – De que forma o senhor analisa o engajamento social da juventude hodierna? Os jovens estão apáticos à política?


FREI BETTO – Há jovens apáticos, alienados pelo consumismo, manipulados pela mídia de entretenimento. Mas há jovens engajados, comprometidos, como os militantes de movimentos sociais e pastorais, em especial os do MST. É preciso lembrar aos jovens: quem tem nojo de política é governado por quem não tem. Se a maioria tiver, estará fazendo um grande favor aos corruptos e oportunistas.






JORNAL EXTRA – O Catolicismo Romano está perdendo espaço para outros movimentos religiosos no Brasil. Como o senhor enxerga esse fenômeno? É hora de a Igreja Católica se modernizar?


FREI BETTO – Sim, nos últimos 20 anos o número de católicos, segundo o IBGE, decai 1% ao ano. E os evangélicos têm crescido. A Igreja Católica precisa valorizar mais as Comunidades Eclesiais de Base, tornar o celibato facultativo e ordenar sacerdotes homens e mulheres casados. Consta no Evangelho que Jesus curou a sogra de Pedro. Se Pedro tinha sogra é porque era casado.






JORNAL EXTRA – Quando o senhor deixou de integrar o Governo Lula, teceu críticas à burocracia para o bom andamento do programa Fome Zero. Além disso, o senhor lamentava a substituição de um programa ‘emancipatório’ por outro ‘assistencialista’ – o Bolsa Família. Atualmente, qual é a sua opinião sobre esse assunto?


FREI BETTO – A mesma que está exposta em meu livro “Calendário do Poder”, que é um diário dos dois anos – 2003 e 2004 – nos quais trabalhei no Governo Lula: o Fome Zero tinha caráter emancipatório, o Bolsa Família, embora positivo, é apenas compensatório, não encontrou ainda a porta de saída das famílias nele inscritas.






JORNAL EXTRA – O senhor enxerga fins eleitorais no Programa Bolsa Família?


FREI BETTO – Jamais existiu ação governamental sem pelo menos um olho nas urnas.






JORNAL EXTRA – Como o senhor avalia o Governo Lula?


FREI BETTO – Avalio-o como o melhor governo de nossa história republicana, em especial no que concerne à política externa, à estabilidade econômica e a não criminalização dos movimentos sociais. Porém, nos deve as reformas de estruturas – agrária, política, tributária etc. –, a preservação da Amazônia (o fim do desmatamento), a abertura dos arquivos das Forças Armadas sobre a ditadura e políticas sociais que combatam as causas da desigualdade gritante entre nossa população.






JORNAL EXTRA – No que diz respeito às próximas eleições, o senhor considera que a esquerda deva se manter no poder ou necessita fazer uma alternância com a direita?


FREI BETTO – Infelizmente, a esquerda não está no poder. Temos um governo de centro aliado às mais conservadoras forças de direita do país. Vide o modo como o PT trata o caso Sarney. Contudo, ainda prefiro quem não governa sob a batuta do PSDB e do DEM.






JORNAL EXTRA – Que análise o senhor faz da política educacional no Brasil? Como formar cidadãos críticos?


FREI BETTO – O governo federal deveria aplicar na educação ao menos 8% do orçamento. Hoje, investe pouco mais da metade desse índice. E ampliar a frequência escolar, em todos os níveis, de 4 para 6 horas/dia. Para formar cidadãos e cidadãs críticos é preciso levar às nossas escolas o método Paulo Freire.






JORNAL EXTRA – Como o senhor observa a política estadunidense do presidente Barack Obama?


FREI BETTO – Ainda espero que Obama cumpra suas promessas de campanha, como o fechamento da prisão de Guantánamo e a suspensão do bloqueio a Cuba.






JORNAL EXTRA – Na sua opinião, em que aspectos Obama se diferencia de George W. Bush?


FREI BETTO – Obama é homem de diálogo, Bush é um troglodita.






JORNAL EXTRA – Como o senhor pode explicar a relação existente entre religião e política?


FREI BETTO – Todos nós, cristãos, somos discípulos de um prisioneiro político. Jesus morreu sob dois processos políticos e foi condenado a morrer crucificado, pena de morte imposta pelos romanos. Religião e política são esferas distintas objetivamente e que, no entanto, se articulam subjetivamente na prática de todos nós que, a partir da motivação de fé, lutamos por uma sociedade de justiça e paz.






JORNAL EXTRA – Como o senhor observa a relação entre Lula e José Sarney? O presidente está abrindo espaço para alianças com líderes fisiologistas?


FREI BETTO – Ao defender Sarney, o presidente paga um pedágio muito alto para assegurar a vitória de sua candidata nas eleições de 2010.






JORNAL EXTRA – O senhor declara que, desde moço, tinha muita admiração pela Revolução Cubana. Essa admiração perdura até hoje?


FREI BETTO – Sempre fui admirador e solidário à Revolução Cubana, pois em nenhum outro país da América Latina e do Caribe a vida – o dom maior de Deus – é tão bem assegurada para o conjunto da população. Há um outdoor em Havana que bem explica o que afirmo: sob a foto de uma criança sorrindo, trajando uniforme escolar, a frase: “Esta noite 200 milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma delas é cubana”. Por isso o papa João Paulo II elogiou as conquistas sociais da Revolução ao visitar Cuba em 1998.






JORNAL EXTRA – O senhor costuma dizer que acredita na existência de vida inteligente fora da terra. Essa crença entra em contradição com a fé bíblica?


FREI BETTO – Desenvolvi isso em meu livro “A obra do Artista – uma visão holística do Universo” (Ática). Não há nenhuma contradição com a Bíblia. Como nossas projeções televisivas são o que a atual tecnologia consegue projetar em maior distância no espaço, possivelmente os extraterrestres captaram nossos programas de TV e chegaram à conclusão de que aqui ainda não há vida inteligente...






Entrevista concedida ao jornalista Jénerson Alves e publicada na edição 289 do Jornal Extra de Pernambuco (22 a 28 de agosto de 2009).

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