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Entrevista com Paul Freston

ESTRUTURA POLÍTICA
Paul Freston é professor na Wilfrild Laurier University, em Ontário, Canadá. O catedrático e escritor revela a lógica injusta pertencente ao sistema brasileiro, promovendo uma reflexão sobre as falhas da democracia e propõe os passos para a transformação

                                                     Divulgação

JORNAL EXTRA Costumeiramente, o ambiente político é marcado por denúncias e casos de corrupção, envolvendo integrantes das mais variadas legendas. Esses casos levantam questionamentos sobre devassidão impregnada na política brasileira. Esse é um problema sistêmico?
PAUL FRESTON Corrupção é sempre uma mistura de fatores.  É uma mistura de fatores de sistema e de pessoas também. Questões culturais e fatores individuais. De um lado, podemos dizer que corrupção é universal. Não existe sistema político no mundo que não tenha algum grau de corrupção. Por outro lado, há, evidentemente, diferenças de nível. Podemos dizer que existem alguns sistemas de outros países que são mais amenos com a corrupção do que outros. Há países que modificam algo para combater a corrupção e outros que ela piora sensivelmente. Pelo que eu sei, me parece que há uma conjunção desses fatores e por isso não se pode combater a corrupção apenas em um nível sistêmico nem apenas em um nível individual.

JORNAL EXTRA Qual seria a melhor forma de combater a corrupção?
PAUL FRESTON Combater por completo é quase impossível. Vencer corrupção, não se vence. Apenas se diminui, se enfraquece. No nível sistêmico, um fator muito importante é a probabilidade de ser punido. Isso tem um efeito grande. Têm sido feito estudos nessa área, sobre a questão da impunidade. Isso entra até mesmo no nível cultural. Tem muitos fatores, como a formação do povo, que também influi nesse entendimento. É preciso rigor para se aplicar regras. Quem se envolve com corrupção deve ser punido.
Portanto, deve ser feita uma abordagem sistemática. Quando o sistema é percebido como fundamentalmente justo, quem o burla se torna mal visto. Mas se o sistema é visto como fundamentalmente injusto, burlá-lo vira virtude, é uma coisa tolerada.

JORNAL EXTRA Em um sistema injusto, como um político pode conseguir levantar a bandeira da ética?
PAUL FRESTON A bandeira da ética precisa claramente ter um alvo duplo. Tem de ter um alvo de formação ética individual, esse é um nível, mas não vai bastar. Também precisa ser levantada de forma estrutural. As duas coisas têm de ser vistas em conjunto.

JORNAL EXTRA O senhor é inglês naturalizado brasileiro. Quando comparado o sistema político brasileiro com o parlamentarismo monárquico da Inglaterra, em qual o senhor percebe o solo mais fértil para a corrupção? Por quê?
PAUL FRESTON A gente tem a mania de achar que certas coisas são únicas. O brasileiro gosta de pensar que saudade e jeitinho só existem no Brasil (risos). Isso é bobagem, obviamente. Então, é claro que neste país há uma certa acentuação, porém duvidar que em outros países exista o jeitinho é ingenuidade. Agora, o que pode mudar de um país para outro ou mudar dentro do mesmo país de um momento para outro é o grau de tolerância com relação à corrupção. O mesmo ato pode acontecer em diversos países, mas ser visto de forma diferente. Em alguns lugares, há uma alta tolerância, até louvável, ao extremo. Ou, pelo menos uma certa compreensão devido à natureza injusta do sistema.  Já em outros, o ato da corrupção se torna altamente injustificável, com pouca tolerância embora exista a corrupção. Posso colocar o Brasil como um país de tolerância alta, onde esse tipo de coisa é visto como bastante justificável, diante de um sistema que é injusto ou, pelo menos, imediatista. Há também sistemas que são complicados demais, que dificultam demais a vida. Por isso, se tolera o jeitinho para navegar a distância entre as leis e a realidade, pois a vida tem de ser vivível, tem de fluir. Há uma certa distância entre as leis e a realidade. A aceitação do jeitinho como algo tolerante continua muito forte.
Eu tenho a impressão que isso não mudou muito ainda. Quer dizer, reconheço que, nos últimos 20 anos, muitas coisas mudaram no Brasil, principalmente nos últimos dez anos, muitas coisas mudaram inclusive, para melhor, eu acho. A gente percebe quando vai ao exterior que a imagem que lá se tem do Brasil, hoje, é muito melhor do que era antigamente. Muito melhor. O Brasil é comentado, aumentou a visibilidade de forma positiva, no geral. A visibilidade internacional brasileira positiva é um lado da realidade que deve ser levado em conta. Por outro lado, há a realidade cotidiana que ainda se deixa a desejar. Eu acho que a aceitação do jeitinho como algo que tem de existir, se não a vida fica impossível não mudou muito, isso ainda continua. O mero desenvolvimento econômico e projeção geopolítica não muda tudo, completamente. Essas são coisas insuficientes para mudar esse cenário. É bem verdade que, em certos aspectos, o desenvolvimento econômico favorece o enfraquecimento da corrupção. Por outro lado, não há uma co-relação exata entre grau de desenvolvimento e corrupção, sempre há outros elementos, como o sistema político e cultural.

JORNAL EXTRA No seu livro Religião e política, sim; Igreja e Estado, não (Editora Ultimato), o senhor afirma que a visão cristã do Estado é que o Estado não deve ser cristão’”. O que isso significa?
PAUL FRESTON Não estamos numa situação do Velho Testamento, como não estamos numa teocracia ainda. O cristianismo nasceu com outra visão com relação a fé e o Estado. A fé e o território. Fé e bens. Ou seja, toda relação de poder vem com território, mas no cristianismo é diferente. O problema é que se esquece disso, ao longo da história do Cristianismo. Por boa parte da história, o Cristianismo voltou a ter essa relação com poder e território. Um conceito totalmente confessional. A visão cristã do Estado é que o Estado não se posiciona nesse sentido, defendendo uma determinada confissão. Existem pessoas que se assustam com isso. Acham um absurdo, mas se pensar direitinho vai perceber que não. Quem sofre mais quando o estado se outorga uma identidade cristã? São os dissidentes da própria religião professada pelo Estado. Os cristãos que não concordam com o tipo de Cristianismo professado pelo estado são as primeiras vítimas daquele estado. Os evangélicos, por exemplo, chegaram ao Brasil com uma crítica a relação que o Catolicismo tinha com o Estado, primeiro no Império. Depois, mesmo na República, sem ainda uma religião oficial, mas digamos que oficiosa, continuavam reclamando disso, pois percebíamos contradições com a nossa própria história. Os evangélicos devem ser os maiores defensores que o Estado não-confecional. Assim sendo, o Estado tem de ser para evangélicos, católicos, espíritas, umbandistas e por aí vai... O Estado precisa conceder os mesmos direitos às religiões. O Estado não deve ser cristão, a Igreja tem de ser cristã.

JORNAL EXTRA O senhor acredita que a participação da sociedade civil nas decisões políticas pode melhorar a conjuntura política? Porém, como estimular essa participação? Métodos como plebiscitos, Audiências Públicas e Orçamentos Participativos são ferramentas viáveis para o engajamento social?
PAUL FRESTON Na teoria isso seria bom. Mas, inevitavelmente, em um país complexo de 190 milhões de pessoas não dá para se ter uma democracia verdadeiramente participativa. Isso é ilusão. O máximo que se pode ter é uma democracia representativa. Essa democracia representativa pode ter mais a capacidade de captar e traduzir os anseios populares, através de uma série de mecanismos. As tentativas de Orçamentos Participativos refletem isso. Mas, de certa forma, é uma linha errada.
A Suíça é um país que procura muito ter uma democracia participativa. É muito fácil pedir um plebiscito sobre uma série de coisas. No fim do ano passado, houve um plebiscito muito substantivo na Suíça, sobre a construção de minaretes, aquelas torres que ficam em cima das mesquitas. É muito fácil, basta apenas juntar um número máximo de assinaturas que se consegue um plebiscito federal sobre equívocos, e o povo vai às urnas votar apenas aquela questão. Volta e meia na Suíça, o povo está votando em alguma coisa. Isso tem grandes méritos, mas por outro lado tem equívocos também. Por exemplo, inesperadamente a votação deu a favor de uma proibição, que pode ser notada como um atentado à liberdade religiosa. Mas é a vontade da maioria da população. Muito embora a maioria dos partidos políticos, principalmente os do governo, e até o Conselho dos bispos católicos e das igrejas protestantes também eram contra a proibição. Muitos órgãos da mídia também eram contra. No entanto, a proposta venceu. E agora vamos ver as consequências que isso vai ter. Nem sempre ouvir o povo nos levar a realizar as coisas no sentido que a gente espera. A democracia entendida apenas como vontade da maioria, às vezes desemboca em resultados que atentam à liberdade democrática. Sou a favor da democracia participativa, mas temos que entender que nem sempre essa nos traz os resultados que esperamos.

Entrevista publicada na edição 313 do Jornal Extra de Pernambuco.

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