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Suicidas já foram crianças


Por Patrícia Ortiz




Os pais de João o chamaram estranhando que ainda não havia acordado. A mãe abriu a porta, e sem voz, chorou ao ver o corpo sem vida. O pai ligou para a emergência.
O rapaz não deixou carta. Não demonstrou seus problemas. Não aos seus pais.
O pai chegava em casa toda noite com um doce. Um suborno que inutilmente servia para compensar sua falta de atenção.
A mãe nunca olhou o filho por quem ele era. Sofria demais fugindo do próprio reflexo do espelho. E procurava compensar com toda a atenção e carinho que pudesse dar. Inutilmente.
Pois o menino cresceu sentindo-se isolado do mundo.
A criança se convenceu que era um fardo para os pais. Acreditava que o mundo ficaria melhor sem ele. E por isso fez por merecer.
Nascer e crescer em um mundo que os pais não têm tempo. Todos trabalham, estudam, e lutam em busca de uma vida melhor. Todos sonham em dar o melhor para os filhos. Dão dinheiro, roupas, casa, carro, brinquedos.
João era o que mais ganhava presentes. Possuía todos os brinquedos de seu super-heroi favorito. Aquele relógio com vídeo-game, vídeo, câmera, gravador de voz, diversos botões. O tênis mais divertido da escola. A mochila que todos invejavam.
Disfarçava-se de Batman, homem-aranha, super-homem. Porque não acreditava que sua existência era importante. Os heróis, sim, faziam a diferença.
Não tomava banho, esperando que seus pais gritassem com ele.
De manhã, sua mãe o acordava com um beijo. Seu pai gritava que ele era inútil e fedido. Não servia para nada. E que se vestisse logo, ou atrapalharia o trabalho também.
Ele ia para a escola e gritava com as professoras, os colegas, batia nos amigos. E os professores, colegas, e agora inimigos, gritavam com ele, batiam nele e chamavam os pais. Que iam, e gritavam, batiam, e o colocavam de castigo.
Seu pai não sabia o que fazer com ele. A mãe o abraçava.
E ao ficar sozinho no quarto, chorava escondido. Seus pais o odiavam. Os amigos tornaram-se inimigos. Os professores somente gritavam.
Ele não merecia existir. Ele atrapalhava a vida de todos.
E assim se sentiu durante toda a vida. Ocupou todo o tempo sofrendo, que esqueceu de brincar. não fez amizades. Não aprendeu a se divertir com os colegas. Agredia sem motivos os colegas de escola. Não se apaixonou.
Quem em sã consciência amaria alguém como ele? Que era um problema na vida de todos, impedindo qualquer pessoa de se aproximar.
Quando seu pai dizia que chegaria mais tarde, ele quebrava um vaso em casa. Quando sua mãe ficava presa no serviço, ele batia em um colega.
Quando ficava sozinho em casa, não olhava no espelho. Seu reflexo mostrava o que não queria ver. Uma criança que ao invés de brincar e se divertir. Aprendeu a odiar a própria vida.
Sua mãe, que se sentia mal consigo mesma, agredia quem se aproximasse. Ela também sentia-se feia e julgada, sem mesmo saber o que o outro estava pensando. Reflexo do que ela sentia ao olhar no espelho. A lembrança de quem um dia foi bonita. Comparada ao que via, os anos não foram gentis. O tempo que passa, trazendo com ele grandes rugas que a deprimiam. Sentia-se cada vez mais feia e odiada pelo destino. Buscando pela formula da juventude eterna, que no fundo sabia não existir. Por isso odiava a vida. E sem querer, ensinou seu pequeno filho o mesmo caminho.
O menino não aprendeu a ter forças para lutar, ir atrás do que queria. Nem que as pessoas gostam de quem as trata bem. Que os amigos são amigos por se apoiarem. Que bater e brigar nem sempre é a solução.
Ele não aprendeu que amar é um sentimento de duas vias. Que para ser amado, é necessário merecer o amor. Que a vida trás coisas boas a quem as procura.
E que o ódio é um sentimento que corrói.
Não aguentou o aniversario de dezoito anos. Em que não possuía um amigo para comemorar e o arrastar para uma festa. Uma namorada para trocar um primeiro beijo. Um colega que oferecesse a primeira bebida. Alguém que o levasse para viajar. Não possuía ninguém que mandasse uma mensagem no celular desejando feliz aniversário. Ninguém que se importasse se ele vivia ou não. Nem ele.


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