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O pastor que 'cheirou' a Bíblia e o 'cheiro' que fica no ar



Sempre olhei de soslaio para o pastor que ‘cheirou’ a Bíblia. Um ‘coroa’ de 42 anos que age como pré-adolescente, a meu ver, é sempre alguém que possui problemas. O uso de gírias e de uma aparência diferenciada parece necessidade de se expor. Enfim, ele tem tudo para ser mais um produto de marketing religioso do que um religioso autêntico.

No sábado (15/02), o pastor Lucinho esteve em Caruaru, ministrando palestras em uma série de conferências. Milhares de jovens – e, sobretudo, adolescentes e pré-adolescentes – compareceram ao evento. Alguns conhecidos me chamaram para lá e eu terminei indo. Nestes tempos de ‘Evangelho’ falso, fácil, a partir do qual tudo que é ‘gospel’ é bonito, fica cada vez mais difícil olhar com otimismo quando surgem nomes nesse meio. Infelizmente.

É bem verdade que ouvi certas frases que considero um tanto deslocadas. O pastor Lucinho testemunhou que, quando adolescente, era um ‘estudante chato’. Entrava em controvérsias com professores de maneira desrespeitosa, sob a justificativa de estar ‘defendendo a fé’. Ele declarou que, em certa ocasião, uma professora de Literatura havia dito que a Bíblia era um livro cheio de lendas, e a reação do mesmo teria sido instantânea: “Lenda é a senhora, professora!” Ele ainda complementou que por causa de procedimentos dessa natureza chegou a ser suspenso das aulas por várias vezes. Não acredito que esse tipo de ‘testemunho’ expresse o caráter de Jesus Cristo. Ouvi, também, expressões que acredito que foram um tanto equivocadas. O pastor afirmou que Caruaru era “terra de Lampião”, talvez desconhecendo que o cangaceiro era de Serra Talhada. Ademais, o líder contou que já fez evangelismo durante um evento de religiões de matriz africana, em área pública. Considero que a forma de exercer a liberdade religiosa também implica em respeitar a liberdade do outro. Acho que se certos conceitos desse naipe não ficarem claros, a igreja pode estar gerando um tipo de gente que ela deve evitar – intolerante, alienado, imaturo.

No entanto, não foram essas as marcas das palestras. Se há uma coisa que o pastor que lidera jovens na Igreja Batista Lagoinha, em Belo Horizonte/MG deixou em Caruaru foi a necessidade de que precisamos amar a Jesus. Ou, como ele mesmo afirma, sermos “loucos por Jesus”. Com uma linguagem de fácil entendimento para a nova geração, o pastor revelou que há duas ‘loucuras’ fundamentais para ser feito nesses dias. A primeira é manter-se puro em um mundo promíscuo e pornô. “Essa não pode ser a geração da ‘piradinha’, nem dos jovens pinguços, mas sim uma geração que ama a Jesus”, destacou. “A maior parte das relações erradas começa na internet. Quem pede para ser puro online também será puro offline”, orientou. A segunda ‘loucura’, segundo o pastor, é evangelizar. E, por incrível que pareça, ele não limitou esse conceito à vontade de lotar igrejas, mas sim de vivenciar o amor de Cristo. “Precisamos urgentemente de um Cristianismo não-teórico, mas um Cristianismo prático”, conclamou.

Mesmo com um contexto onde tanta coisa 'fede', nem tudo está podre. O aroma de Cristo ainda é exalado. A seiva da Verdade ainda fortalece aqueles que estão conectados à Videira. Se quem não é contra nós é por nós, precisamos aprender a nos chamar de 'irmãos', apesar das divergências. Um perfume de harmonia deve pairar no ar, dando um ar de esperança e de um novo tempo. A profecia deve denunciar a injustiça social, o descaso, as tristezas, as feridas, as amarguras, mas prenunciar uma nova aurora no horizonte, pela qual o brilho da Justiça resplandecerá a paz.

Enfim, percebi que o pastor Lucinho e eu estamos do mesmo lado. Posso não concordar com tudo o que ele fala ou faz, bem como não desejo proceder da mesma forma. No entanto, partilho do desejo ardente no coração que tenhamos um mundo formado por pessoas mais próximas do Divino. E isso precisa ser espalhado de todas as formas, mesmo que utilizando elementos da cultura pop. Para isso, os jovens necessitam de acompanhamento eclesiástico, doutrinamento, ensinamento teológico, aliados à oração e à presença do Espírito Santo, bem como a experiências práticas de expressão de amor na comunidade. Só com o bom senso da insensatez de amar em um mundo que vive com ódio, de perdoar num planeta em que as pessoas se assassinam, de doar-se onde muitos querem tão-somente reunir bens para si, de valorizar o próximo ao invés de desprezá-lo, poderemos viver dias melhores (até aquele Grande Dia, quando o Senhor voltar). Enquanto isso, digamos como o apóstolo São Paulo: “Nós somos loucos por amor de Cristo” (I Coríntios 4:10).

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