Certa vez um garçom batista, em Sergipe, servindo no clube de um
restaurante durante o ciclo junino, foi advertido pelo seu pastor para não
comer das iguarias típicas da estação, pois “canjica é carne
sacrificada aos ídolos”. Original essa igreja evangélica brasileira: desde
quando canjica é carne e João Batista é ídolo? Questionado por uma criança
vizinha pentecostal, por estar celebrando “uma festa do diabo”, responde
o meu filho, carregando um saco de fogos de artifício: “São João não é
do diabo. Estamos comemorando o aniversário do priminho de Jesus...”.
Sou um admirador dessa figura exótica que foi João (pelo menos em termos
de modelito e de gastronomia...), como ponte entre a antiga e a nova aliança,
nascido de um milagre, anunciador da chegada do Messias, profeta
corajoso, denunciando os pecados e conclamando ao arrependimento, que
terminou com a cabeça em uma bandeja, por determinação real e capricho de uma
mulher mau caráter. Fiquei emocionado quando, ao lado de uma Igreja Ortodoxa
Russa, estive no provável braço do rio Jordão, onde batizou o Filho, se ouviu
falar o Pai e o Espírito Santo desceu em forma de pomba, em singular teofania
trinitária.
Passei a maior parte da minha infância e adolescência no interior do
Nordeste, embalado pela voz de Luiz Gonzaga, o “rei do
baião”, e, nesses 41 anos de casado, nunca Miriam e eu
deixamos de acender uma fogueira em frente da nossa casa, comendo nossa
pamonha, nossa canjica e nosso milho assado, sentindo pulsar a alma nordestina
e sua identidade, diante de uma globalização que oprime e massifica,
estrangeirizando.
Como crentes, devemos deixar de nos encabular, afastados desses
festejos, privados do lícito lúdico e do folclore, ou apelando para eufemismos,
como “festa junina”, “festa do milho” ou “festa
Jesuína”. A festa é de João mesmo, e devemos resgatar o
seu ensino, compartilhando-o com os festejantes, sem neuras, sem traumas, sem
iconoclastias imaturas, sem buscar uma identidade por antagonismo.
Por uma igreja constituída de crentes sadios, brasileiros, reconciliados
com a sua cultura, sem culpa pela alegria: Viva São João!
Olinda (PE), 20 de junho de 2010,
Anno Domini.
+Dom Robinson Cavalcanti, ose
Bispo Diocesano (in memorian)