Pular para o conteúdo principal

Da Reforma à Bancada Evangélica

por Jénerson Alves

Dificilmente o dia 31 de outubro é lembrado por causa da Reforma Protestante. Boa parte da população, inclusive evangélica, associa a data à celebração do Halloween. Esse fato não causa espanto, uma vez que as doutrinas bíblicas levantadas pelos reformadores estão cada vez mais distanciadas dos púlpitos, dos lábios e do coração do povo que se autodenomina “de Deus”. O movimento liderado por Martinho Lutero em 1517 era contrário às indulgências, mas atualmente o lobby político, o suborno do dízimo e a fixação fetichista por poder secular têm sido as características preponderantes de uma Igreja que abandonou os passos de Jesus.
Atualmente, assim como no século XVI, as divergências entre a prática dos cristãos e a fé professada são gritantes. Se, no famoso texto da Carta a Diogneto (considerada “a maior joia da literatura cristã primitiva”), os cristãos são comparados à alma do mundo, que, “mesmo vivendo em cidades gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um, (...) testemunham um modo de vida admirável”, infelizmente não é assim que são tratados aqueles que se apresentam como cristãos atualmente, principalmente os que se encontram sob os holofotes da mídia. Basta dar uma olhada na chamada ‘bancada evangélica’ do Congresso Nacional.
Na realidade, a bancada é uma representação de um sem-número de evangélicos cujas práticas são completamente opostas à mensagem de Jesus. Com discursos de ódio, disparam contra todos os que pensam de modo diferente. Para se ter uma ideia, as agressões a membros de comunidades de terreiro estão se proliferando tanto no país que lideranças reivindicaram no Senado a criação de uma CPI para combater a intolerância religiosa. Pasmem. A maioria dos intolerantes é oriunda de igrejas evangélicas, principalmente de linha pentecostal. Não precisa ir muito longe para constatar isso. Grande exemplo de intolerância neste sentido é um vídeo do pastor Lucinho Barreto, que circula na internet, no qual ele narra efusivamente uma ‘aventura’ com adolescentes da igreja que lidera, atrapalhando manifestações dos religiosos de matriz africana. Mesmo sendo um senhor de meia-idade, Lucinho fala como um adolescente de 15 anos e é considerado no meio gospel como uma “referência para a juventude”. Some-se a isso o ódio contra os homossexuais, o fetichismo pelo dinheiro nos cultos da prosperidade, a negação da cultura e o mundanismo da ‘pureza’ sexual. O resultado não poderia ser outro: uma grande massa de alienados que não sabe viver em comunidade.
Historicamente, evangélicos como Robert Kalley lutaram pela laicidade do Estado brasileiro. Mais recentemente, o pastor Lisâneas Maciel, enquanto deputado, lutou pelo fim da ditadura. Atualmente, a ‘bancada evangélica’ segue na contramão do legado histórico e teológico dos evangélicos. É hora de rever o papel da igreja por meio das ciências sociais e buscar um avivamento através da Bíblia, trazendo à tona os cinco solas da Reforma: Sola Scriptura, Sola Christus, Sola Gratia, Sola Fide, Soli Deo Gloria.

Segundo a Bíblia, quem foi remido pelo Sangue do Cordeiro passa a andar em “novidade de vida”. Assim sendo, o padrão de vida seguido pelo cristão deve glorificar a Deus. “E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2Co 5:17). A Igreja precisa reafirmar seu compromisso de restauradora de veredas. Assim como João Batista, a Igreja precisa preparar a sociedade para a vinda do Messias. Do ponto de vista da participação política, ela tem de engajar-se com os ideais de justiça, paz e amor do Reino de Deus. Quanto ao entendimento, necessita estar cingida do conhecimento de Cristo. Quanto à prática, deve ser amorosa. Afinal de contas, faz-se necessário seguir o exemplo dAquele que não veio julgar o mundo, mas salvar (Jo 12:47). Que Ele nos ilumine.


Postagens mais visitadas deste blog

O gato vaidoso - poema de Jénerson Alves

Dois felinos residiam Em uma mesma mansão, Mas um percorria os quartos; Outro, somente o porão. Eram iguaizinhos no pelo, Contudo, na sorte, não. Um tinha mimo e ração; O outro, lixo e perigo. Um vivia igual um príncipe; O outro, feito um mendigo (Que sem cometer delito Sofre só o seu castigo). No telhado do abrigo Certa vez se encontraram. Ante a tela do contraste, Os dois bichanos pararam E a Lua foi testemunha Do diálogo que travaram. Quando eles se olharam, Disse o rico, em tom amargo: “Tu és mísero vagabundo, Eu sou do mais alto cargo! Sou nobre, sou mais que tu! Portanto, passa de largo!” O pobre disse: “O teu cargo Foi a sorte quem te deu! Nasceste em berço de luxo, Cresceste no apogeu! Mias, caças, comes ratos… Em que és mais do que eu? Logo, este orgulho teu Não há razão pra ser forte… Vieste nu para a vida, Nu voltarás para a morte! Não chames, pois, de nobreza O que é apenas sorte”. Quem não se impor

Professor Reginaldo Melo

por Jénerson Alves Texto publicado na Coluna Dois Dedos de Prosa, do Jornal Extra de Pernambuco - ed. 625 Ao lado de outros poetas de Caruaru, entrei no apartamento onde o professor Reginaldo Melo está internado há três semanas, em um hospital particular. Ele nos recebeu com alegria, apesar da fragilidade física. Com a voz bem cansada, quase inaudível, um dos primeiros assuntos que ele pediu foi: “Ajudem-me a publicar o cordel sobre o Rio Ipojuca, que já está pronto, só falta ser levado à gráfica”. Coincidentemente, ele estava com uma camisa de um Encontro sobre a questão hídrica que participou em Goiás. Prof. Reginaldo (centro), ao lado de Espingarda do Cordel (e) e Jénerson Alves (d) Durante o encontro no quarto do hospital, ocorrido na última semana, quando Olegário Filho, Nelson Lima, Val Tabosa, Dorge Tabosa, Nerisvaldo Alves e eu o visitamos, comprometemo-nos em procurar os meios para imprimir o cordel sobre o Rio Ipojuca, sim. Além disso, vamos realizar – em n

A Vocação de São Mateus

  Dentre as obras de Caravaggio, ‘A Vocação de São Mateus’ é uma das que mais provocam debates e reflexões. A tela, com traços realistas, parece fazer saltar ao mundo real o que está expresso no versículo 09 do capítulo 09 do Evangelho de S. Mateus: “Passando por ali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria, e disse-lhe: ‘Siga-me’. Mateus levantou-se e o seguiu”. O domínio da luz, inerente à verve do pintor barroco, é evidente na obra. O contraste da luz que entra pela janela no ambiente escuro parece representar o contato do mundo espiritual com o terreno – este reproduzido no grupo de pessoas à mesa e aquele pela figura do Senhor Jesus Cristo ao lado de São Pedro. Os indivíduos sentados à mesa parecem ter idades e posições sociais distintas. O mais relevante deles é Mateus, trajado de forma elegante e com uma postura de proeminência. Sem dúvida, uma boa exibição do que seria a conduta dos cobradores de impostos do primeiro século. No texto neotestamentári