por Bela Barbosa
Recentemente, numa rodinha de amigas da escola, vi que uma
das meninas usava duas ou três pulseiras do movimento Eu Escolhi Esperar. Não
simpatizo muito com esse tipo de manifestação, mas fiquei na minha. O direito
que ela tem de ser adepta, eu tenho de não ser. Foi então que as outras se
dispersaram e ficamos apenas eu e ela, no que a mesma tirou uma das pulseiras e
me ofereceu, dizendo “Bela, toma uma dessas!”. Eu agradeci, no entanto,
recusei. “Mas você não é cristã? Tem que casar virgem, menina!”, replicou, no
que teve como resposta uma feição minha meio debochada, “Uma coisa é uma coisa,
outra coisa é outra coisa”, falei, “Casar virgem, ser cristão e ser adepto do
Eu Escolhi Esperar são coisas bem distintas”.
Ainda ontem, estava na casa do meu namorado conversando com
ele sobre sexo (nota para o meu pai, José Barbosa Junior: estávamos conversando
sobre, não fazendo, relaxa) quando tocamos no assunto do famoso EEE. Ambos
concordamos que o movimento, além de desnecessário, é cheio de furos e falhas
que apenas fomentam grandes males da atualidade, como a religiosidade, o
machismo intransigência, uso de textos bíblicos sem levar em conta o contexto
da época e alguns mais. Fiz, então, algumas observações e listei alguns motivos
pelos quais eu, Isabela Barbosa, não escolhi esperar e acredito que muitas
outras pessoas (especialmente meninas) deveriam optar pela mesma escolha.
Primeira observação, inclusive, na qual explicarei por que
citei especialmente as meninas no primeiro parágrafo acima: Eles se alimentam
da insegurança feminina para nos empurrar goela abaixo suas ideologias furadas
sobre o sexo e o casamento.
Assistindo aos vídeos do EEE, notei que a esmagadora maioria
das cartas recebidas são escritas por mulheres, e mulheres inseguras, com medo
do “pecado sexual”. Claro que não é errado ter dúvidas, e ainda ressalto a
importância do questionamento, porém, convenhamos, quando a Bíblia te diz que
você não precisa de nenhum sumo sacerdote ou mediador para chegar a Deus porque
seu elo com Jesus já é direto e se dá através da Palavra, acredito que você
pode sim se basear nas suas próprias interpretações bíblicas para guiar sua
vida. Afinal, os idealizadores do EEE que respondem às perguntas não se baseiam
nas deles? Você tem um cérebro igualzinho e é movido pelo mesmo Espírito. Saiba
usar isso. Você não necessita de um líder religioso para te dizer o que é
errado. Em Romanos 14:22-23, Paulo diz: “... Bem aventurado aquele que não se
condena a si mesmo naquilo que aprova. Mas aquele que tem dúvidas, se o
pratica, está condenado, porque o que faz não provém da fé; e tudo o que não
provém da fé é pecado”. Parafraseando, aquilo que você considera errado, não
faça, mas se achar certo, não estará pecando. Estaria em pecado apenas caso
você estivesse indo contra sua própria fé ou sua própria verdade, mas se sua
verdade diz que aquilo é certo: sinal verde. É como comer carne, por exemplo.
Se você acha certo comer carne e acredita que nisso não há pecado, mas deixa de
comer porque seu líder te diz que é errado, é como estar pecando contra si
mesmo e contra o que você acredita. Se você acha que algo é errado ou tem
dúvidas, fique na sua. Mas, se acha correto, o que há de errado em fazê-lo?
Nenhum cristão deve ser inseguro; temos um manual de como levar a vida em
nossas mãos, devemos apenas aprender a interpretá-lo.
Em segundo lugar, ainda explicitando a relação entre as
mulheres e o movimento Eu Escolhi Esperar, tenho a dizer apenas que o conteúdo
dos seus vídeos e textos é indubitavelmente machista. E machista com M
maiúsculo! Achei várias, mas várias MESMO, situações em que o machismo foi
latente nos conteúdos do EEE, contudo, o que mais me chamou a atenção foi o
vídeo do “A inciativa pode partir de uma mulher?” obtendo a óbvia e machista
resposta: não. Logo depois da negativa, Nelson Jr., o idealizador, diz que isso
não é machismo, é “papo cristão”. Seria uma pena se ele descobrisse que Jesus
foi o maior dos feministas até hoje. Nelson afirma que em todos os romances da
Bíblia, a iniciativa partiu de um homem e por isso, essa é a forma correta de
ocorrência dos fatos. Alguém diz para ele que a Bíblia foi escrita por homens,
focando em homens, sob pontos de vista de homens e numa sociedade regida
culturalmente por homens? Agradecida. Nem em Maria Madalena acreditaram quando
ela disse que tinha visto o Cristo ressuscitado, por que dariam trela para a
fulaninha de 1.200 a.C. que disse que achou Jonas um gato? Ninguém queria saber
o que elas achavam, e se elas dissessem, eram silenciadas por mal ou por mal,
simples assim. Ainda nesse vídeo, Nelson Jr. deixa bem claro que nas moças de
hoje em dia falta paciência para esperar a iniciativa masculina. Amigo,
paciência? Minhas antecessoras brasileiras puderam votar apenas em 1932,
estudar apenas em 1827, foram votar pela primeira vez em todo o mundo no ano de
1893, foram queimadas por pedirem menos horas de trabalho e licença à
maternidade no ano de 1857 e você me pede para ter calma? Se Jesus veio ao
mundo para me dar voz, não é nenhum homem que vai conseguir me calar. Estou
muito bem, obrigada, com meu namoro e compartilho com naturalidade que quem o
chamou para o primeiro encontro fui eu, sendo que somos os dois cristãos. Não
há erro ou pecado nenhum nisso. Mas há em ser machista e fazer distinção entre
as pessoas. E nem me venha com os textos de Paulo que dizem que a mulher deve
ficar calada no culto, esse mesmo Paulo, em Gálatas 3:28, disse que não há mais
homem nem mulher porque todos são um em Cristo. Isso se assemelha muito mais a
Jesus do que as cartas que mandam a mulher ficar calada, lembrando aqui que são
cartas instrutivas, não normativas. Querer aplicar essa regra e esse machismo a
todos os contextos sociais e históricos é, no mínimo, falta de conhecimento
interpretativo e até bíblico.
“Eu, porém, vos digo que todo aquele que olhar para uma
mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela”, Mateus
5:28. É com essa premissa que defendo, em minha terceira observação, que o EEE
é uma grande falácia. Vejam bem como o próprio Jesus explicita que o simples
querer dentro do coração é tão pecaminoso quanto a prática, coisa para a qual o
Eu Escolhi Esperar parece não estar nem aí. Num vídeo em que falam sobre beijar
antes do casamento (o que eles, obviamente, recomendam que não seja feito), o
idealizador da campanha diz que o beijo é a primeira forma de penetração e
atiça os órgãos sexuais, por isso deve ser evitado. Sim, isso mesmo que você
leu. Adianta de alguma coisa uma das partes do namoro ficar subindo pelas
paredes com o desejo de fazer sexo ou de simplesmente beijar e não fazer nem
uma coisa nem outra porque dizem que é pecado, sendo que é o que ele/ela mais
quer? Quer dizer, se ele deseja isso no coração dele, já é como se tivesse
praticado aquilo. Pecado ou não, o querer vale pelo praticar. O EEE trata a
situação como se apenas o fazer sexo fosse pecado, não o deseja-lo. E leva a
mesma lógica para o beijo, que dizem que te fará desejar o sexo. Lamento
informa-los que os cristãos possuem o mesmo código genético dos outros seres
humanos e não estão imune aos desejos “da carne”. É uma imensa hipocrisia achar
que casar virgem é algo lindo mesmo quando o casal desejou mais que tudo o sexo
em todo o tempo de namoro. É uma questão de aparência, não de consciência. É
uma falácia sem medidas. Se segurar até o casamento só é válido quando você em
momento algum desejou fazer aquilo com a outra pessoa, mas caso tenha sentido
esse desejo, sua ida ao altar se sacrificando para não transar antes daquele
dia não tem diferença nenhuma daquele casal que não escolheu esperar.
Além de tudo isso, ainda há o tópico que poderia ser
abordado com mais extensão e calma nesse texto, mas acredito que ele mereça um
espaço solo daqui a algumas semanas: a fé cega em líderes religiosos, dogmas e
doutrinas de certa denominação. Isso já está na cara. Mas admito que ficou mais
óbvio quando vi um vídeo deles sobre sexo oral DENTRO do casamento. Isso mesmo,
eles querem reger sua vida sexual até mesmo depois que você casar. Segundo
Nelson Jr., você precisa consultar seus líderes e seu livro de doutrinas para
saber se pode ou não fazer sexo oral depois que casar. Minha gente, que tanta
vontade é essa de querer ser (com o perdão da palavra) fiscal de foda alheia?
Por que a igreja, enquanto instituição, busca controlar tão freneticamente a
vida sexual dos fiéis? Não há a mínima necessidade. Quero que me digam uma
única passagem bíblica em que Jesus fica de olho no furico dos outros. É uma
demagogia sem limites! Inclusive recomendo a vocês um texto de José Barbosa Junior
sobre o assunto, o porquê de a igreja querer controlar tanto a vida sexual dos
que a seguem. Resumindo aqui, é porque os instintos sexuais, nos seres humanos,
são o que há de mais primitivo. Se conseguem controlar até o desejo sexual,
aquele que é o mais frenético de todos, o mais convulso, mais intrínseco e
animal, é porque conseguem controlar todo o resto. Tudo se dá por causa de uma
relação de poder, gerando uma “crentaiada” frustrada sexualmente por só poder
fazer o abençoado papai e mamãe, já que o resto, a denominação não permite.
Isso é jogar a própria liberdade fora por submeter-se àquilo que nosso Senhor
veio para abolir: a religiosidade. É necessário sim dar vazão aos instintos,
isso é biológico, mas só porque na nossa espécie, essa vazão está relacionada
ao prazer, deve ser tão duramente abordada nas igrejas? Sujeitar-se a isso é
negar praticamente todo o evangelho, deixar de lado a liberdade que Cristo
precisou morrer para conquistar para seguir veementemente líderes que visam
nada mais que o poderio próprio sobre os fiéis. Quem submete até sua vida
sexual ao aval de um pastor, tem mesmo mentalidade de ovelha.
É por isso, meus caros, que eu escolhi escolher. Escolhi
escolher por mim mesma, sem demagogias. Escolhi escolher o que acho que Jesus
escolheria. Escolhi escolher porque um nazareno morreu para que eu tivesse essa
liberdade há quase dois mil anos atrás. Escolhi escolher o que me faz feliz e
me liberta. Escolhi escolher porque não quero ser hipócrita quanto às minhas
próprias opções. Eu escolhi escolher.
BELA BARBOSA (Isabela) tem 16 anos. É estudante, filha do
músico e pregador José Barbosa Júnior (Caminho da Graça-SP), o qual é
coordenador do movimento Jesus Cura a Homofobia