quinta-feira, 3 de março de 2016

Um Mar que vem do Sertão

por Jénerson Alves
(Texto publicado na coluna Dois Dedos de Prosa, do Jornal Extra de Pernambuco)

Ao contrário do que supostamente profetizava Antônio Conselheiro, o sertão não vai virar mar, tendo em vista que já o é. Isso porque nasceu no Alto Sertão do Pajeú, mais precisamente no município de Tuparetama-PE, uma escritora que, até mesmo pelo nome, é um verdadeiro mar de versos. Estou me referindo a Mariana Teles, poetisa, declamadora e concluinte do curso de Direito na Universidade Católica de Pernambuco. Recentemente, ela lançou o livro 'Um Novo Mar de Poesias'. A obra, de produção independente, reúne cerca de seis dezenas de poemas em 201 páginas.

Filha do exímio cantador Valdir Teles e da professora Maria Elza, a garota – de 20 anos de idade – mescla em sua poética a resistência sertaneja com a sensibilidade feminina. No livro, percebe-se a interação entre universos distintos. A começar pela capa, cujo título destaca a palavra 'mar', seguido por uma ilustração que remete à grande porção de águas, mas também apresenta um cacto, símbolo da seca e das grandes porções de terras nordestinas. No interior do livro, há sonetos, motes, décimas, sextilhas, trovas e comentários sobre os mais diversos temas. Tanto o lirismo quanto a crítica social estão presentes na obra, passando pela fé e pela exaltação à terra. É possível encontrar nessas páginas resquícios da guria sertaneja que cresceu ouvindo cantoria e escrevendo versos, mas também da mulher que se forma em Direito e amplifica sua visão de mundo. É possível captar a essência de uma verdadeira amante das palavras, estejam elas na métrica das poesias ou nos artigos das leis.

Na realidade, o que se vê nos versos de Mariana é o espírito do ser humano, que se manifesta em suas mais variadas formas. São resultados de momentos de sensibilidade, instantes-já, captados com a essência semelhante aos improvisos do pai. Entre os trabalhos, pode-se citar o mote 'Do Batente de Pau do casarão', de Dedé Monteiro, glosado por ela com maestria e maturidade, que podem ser percebidos em estrofes como “No alpendre da casa que eu morava / tinha o gosto do doce da poesia. / Fora o terço, a novena, a cantoria, / outra festa por lá ninguém falava. / Quando o véu do poente desbotava, / que o sol apagava o seu clarão, / minha mãe acendia um lampião / e, pra provar que nasci ouvindo rima, / pai cantava um cordel sentado em cima / do batente de pau do casarão”.

No livro, ainda é possível enxergar novos olhares sobre a realidade social, por meio de motes como 'Sem primeiro cobrar EDUCAÇÃO, ninguém vai reduzir 'maioridade'', o qual ela apresentou em 2013, representando do movimento estudantil durante um ato contra a redução da maioridade penal, na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Na glosa, ela questiona: “Será justo cobrar de um infrator / que não teve direito a ter direito? / e é somente reflexo do efeito / de um sistema covarde e opressor [...]”. O Hino Nacional, o centenário de Luiz Gonzaga, a viuvez, a família, o amor e a infância são outros temas abordados nos versos da jovem poetisa. É impossível, neste artigo, ressaltar por completo a grandiosidade da obra de Mariana, até porque a literatura é carregada de plurissignificação. Portanto, meu desejo é apenas impelir o leitor a procurar beber das doces águas do mar de Mariana, cujo leito é o sertão, mas – como ela mesma afirma – trata-se de “um mar em busca do mundo”.

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