Pular para o conteúdo principal

SERIA DIFERENTE?

por Marconi Aurélio e Silva, cientista político e jornalista

Em meio aos sucessivos escândalos políticos observados no Brasil, que se baseiam no desenho institucional "possível" de 1988, damo-nos conta que o modelo do presidencialismo de coalizão está saturado. Hoje percebemos que, apesar de termos uma democracia liberal (se considerarmos apenas a possibilidade da competição eleitoral e da escolha direta dos representantes por parte da população como a grande força motriz desse sistema), a decisão sobre o governo não passa pelo crivo direto do povo, entre outras coisas, porque:
1) Vereadores, Deputados Estaduais e Federais, sendo escolhidos pela proporcionalidade, proporcionam-nos legislativos pouco ou nada representativos, porém legitimados (vota-se em alguém para eleger outrem!!).
2) Os partidos políticos não representam bandeiras coletivas de "percepção de partes" do eleitorado e da população sobre o que é melhor pra todos, mas são continuamente utilizados para servir apenas como estrutura de manutenção de espaços de poder a seus "caciques" e associados, ávidos pelas regalias proporcionadas pelo Estado. Daí porque a grita que os Partidos querem o poder pelo poder, para garantir privilégios e benefícios individuais, custeados pela coletividade, não pra servir a causas coletivas.
3) O lobby ou "advocacy" não foi ainda regulamentado no Brasil, o que dá margem para diferentes tipos de práticas por parte dos grupos econômicos ou organizações e movimentos mais bem articulados que, diferentemente da massa de eleitores (pouco esclarecida e desarticulada), consegue atuar com maestria na efetivação de suas agendas e interesses.
4) Além do mais, financiando as campanhas políticas, empresas e setores econômicos terminam tendo benesses e estímulos próprios dos governos eleitos com seu apoio, a exemplo do que aconteceu na última eleição, quando o agronegócio, a construção civil e o setor financeiro fizeram os maiores aportes financeiros às campanhas de Dilma (PT) e de Aécio (PSDB). O que é pior, os 10 maiores doadores de campanha em ambos os casos, representam algo como 60% da arrecadação, um oligopólio econômico bastante influente...
5) Após eleito, raramente o Executivo possui base política de apoio no Legislativo que garanta a governabilidade. Isso quer dizer que o povo apenas indica quem vai participar das negociações e conchavos políticos entre novembro e dezembro, após as eleições, para montar o governo. E aí entra em jogo negociação de ministério, loteamento de espaços com cargos comissionados etc.
6) Desde 1988, nenhum presidente da República foi eleito com a efetiva maioria dos votos, posto que, historicamente, entre 25% e 30% dos votos são "desperdiçados" como brancos, nulos ou abstenções. 50% + 1 dos votos "válidos" desde a eleição de Collor, chega a representar pouco mais de 1/3 da população de eleitores. Daí termos um Executivo também pouco representativo, mas, legitimamente eleito.
7) Além do mais, sabemos que o Judiciário, a partir de um determinado nível hierárquico não é formado levando em conta apenas o mérito e, sim, indicações e escolhas políticas oriundas de outro Poder Republicano.
Dito isto, é até de se estranhar porque tanta surpresa com o resultado operacional de um sistema político extremamente clientelista, pouco coeso e "permitido" por uma população que, em sua maioria, ainda está excluída, em diferentes níveis, mas que também carrega uma cultura de ilícitos e de práticas contínuas de pequenas ou grandes corrupções.
A crise moral, ética e institucional que vivemos hoje no Brasil é um momento precioso para refletirmos o que queremos de fato. Ser um país sério não vai cair com a chuva, nem vai ser fruto de milagre ou trabalho de messias "salvador da pátria"...
A política somos nós, nossas escolhas e atitudes cotidianas!!! Eleger e não participar politicamente de outra forma, ao menos acompanhando a atuação etc. é tão nocivo quanto vender o voto.
Quando um sistema que, em essência, é para tratar do "bem comum" está permeado pela individualidade e pela cultura do "salve-se quem puder", o que podemos esperar senão crises cíclicas que continuam tendo como único objetivo, infelizmente, tirar quem está para colocar que ainda não chegou, ao invés de ser aperfeiçoar e melhorar o sistema?
A questão é simples: investimos seriamente na educação para a cidadania desde a 1a. infância, julgamos e punimos TODOS os desmandos e grupos que destróem nosso patrimônio coletivo a partir do mau uso do poder e das instituições, aperfeiçoamos os instrumentos de transparência e de controle social do poder, participamos com mais tempo e qualidade democrática e renovamos nossas instituições ... ou continuaremos a ter um sistema que induz à corrupção, que gera assimetrias e que impõe sobre o cidadão que o elegeu e acreditou, todos esses desmandos que já estamos acostumados a ver no Brasil.
A inovação democrática disruptiva é essencial nesse momento! Poderia ser a agenda de fronteira de cientistas sociais e de humanidades pelos próximos anos... Um sistema que empodere o cidadão, mas que também o eduque a entender as razões e perspectivas divergentes dos demais; e que, sobretudo, dê a todos a capacidade de superar estas divergências para construir juntos soluções para todos. Precisamos unir-nos, apesar da diversidade!!
Não vejo escuridão nessa crise, apenas oportunidades. Mas, será que estamos mesmo preparados para realizar esse salto civilizacional?



Postagens mais visitadas deste blog

O gato vaidoso - poema de Jénerson Alves

Dois felinos residiam Em uma mesma mansão, Mas um percorria os quartos; Outro, somente o porão. Eram iguaizinhos no pelo, Contudo, na sorte, não. Um tinha mimo e ração; O outro, lixo e perigo. Um vivia igual um príncipe; O outro, feito um mendigo (Que sem cometer delito Sofre só o seu castigo). No telhado do abrigo Certa vez se encontraram. Ante a tela do contraste, Os dois bichanos pararam E a Lua foi testemunha Do diálogo que travaram. Quando eles se olharam, Disse o rico, em tom amargo: “Tu és mísero vagabundo, Eu sou do mais alto cargo! Sou nobre, sou mais que tu! Portanto, passa de largo!” O pobre disse: “O teu cargo Foi a sorte quem te deu! Nasceste em berço de luxo, Cresceste no apogeu! Mias, caças, comes ratos… Em que és mais do que eu? Logo, este orgulho teu Não há razão pra ser forte… Vieste nu para a vida, Nu voltarás para a morte! Não chames, pois, de nobreza O que é apenas sorte”. Quem não se impor

Professor Reginaldo Melo

por Jénerson Alves Texto publicado na Coluna Dois Dedos de Prosa, do Jornal Extra de Pernambuco - ed. 625 Ao lado de outros poetas de Caruaru, entrei no apartamento onde o professor Reginaldo Melo está internado há três semanas, em um hospital particular. Ele nos recebeu com alegria, apesar da fragilidade física. Com a voz bem cansada, quase inaudível, um dos primeiros assuntos que ele pediu foi: “Ajudem-me a publicar o cordel sobre o Rio Ipojuca, que já está pronto, só falta ser levado à gráfica”. Coincidentemente, ele estava com uma camisa de um Encontro sobre a questão hídrica que participou em Goiás. Prof. Reginaldo (centro), ao lado de Espingarda do Cordel (e) e Jénerson Alves (d) Durante o encontro no quarto do hospital, ocorrido na última semana, quando Olegário Filho, Nelson Lima, Val Tabosa, Dorge Tabosa, Nerisvaldo Alves e eu o visitamos, comprometemo-nos em procurar os meios para imprimir o cordel sobre o Rio Ipojuca, sim. Além disso, vamos realizar – em n

A Vocação de São Mateus

  Dentre as obras de Caravaggio, ‘A Vocação de São Mateus’ é uma das que mais provocam debates e reflexões. A tela, com traços realistas, parece fazer saltar ao mundo real o que está expresso no versículo 09 do capítulo 09 do Evangelho de S. Mateus: “Passando por ali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria, e disse-lhe: ‘Siga-me’. Mateus levantou-se e o seguiu”. O domínio da luz, inerente à verve do pintor barroco, é evidente na obra. O contraste da luz que entra pela janela no ambiente escuro parece representar o contato do mundo espiritual com o terreno – este reproduzido no grupo de pessoas à mesa e aquele pela figura do Senhor Jesus Cristo ao lado de São Pedro. Os indivíduos sentados à mesa parecem ter idades e posições sociais distintas. O mais relevante deles é Mateus, trajado de forma elegante e com uma postura de proeminência. Sem dúvida, uma boa exibição do que seria a conduta dos cobradores de impostos do primeiro século. No texto neotestamentári