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Apeirokalia


Do grego, a palavra ‘apeirokalia’ significa “falta de experiência das coisas mais belas”. A partir deste conceito, compreende-se que o sujeito que não tem acesso a experiências interiores que despertem o desejo pelo Belo, pelo Bem e pelo Verdadeiro durante a sua formação, jamais alcançará o horizonte de consciência dos sábios.

A privação às coisas mais belas predomina em nosso país. Desconhecemos biografias de nossos ancestrais – ou, quando conhecemos, são enfatizados aspectos pouco louváveis de suas personalidades. As imagens identitárias do nosso povo são colocadas a baixo. Esculturas, construções, edificações, pinturas são pouco apresentadas. Até a nossa língua tem sido violada com o distanciamento do vernáculo e do seu significado.  A música real tem perdido espaço para séries de ritmos abomináveis.

Este problema perpassa por uma distorção da cosmovisão sobre o próprio ser humano. Hedonista, egocêntrico e materialista, o homem moderno busca simplesmente o seu bem-estar. Esta postura é diametralmente oposta à dos filósofos da Antiguidade e da Idade Média, que buscavam a virtude.

Para o filósofo alemão Eric Voegelin, a terrestrialização da transcendência humana constitui-se em um sintoma da decadência do intelecto. Em outras palavras, o homem contemporâneo é o ‘imbecil’, ou o ‘estulto’. Voegelin recorda que, na concepção grega, o homem é considerado um ser racional (teomórfico) e, na israelita, um ser pneumático (espiritual). “Já que é precisamente essa participação no divino, esse ser teomórfico, que constitui essencialmente o homem, a desdivinização é sempre seguida de uma desumanização”.

Ora, entendendo que a ‘apeirokalia’ é a ausência de experiência com as coisas mais belas, é possível inferir que a maneira de sair desta redoma é vivenciar experiências com as coisas mais belas. Para tanto, é mister entrar em contato com as mais elevadas obras da humanidade, seja na pintura, na música, na literatura, no teatro (ou cinema). Dostoiévski já afirmou: “A Beleza salvará o mundo”.

Convém salientar que a Beleza trata-se de uma realidade objetiva. Existem o Belo e o feio. Existem a virtude e o vício. Existem o Bom e o ruim. Existem a Verdade e a mentira. Urge reconhecer que existem tais diferenças. Semelhantemente, urge discerni-las. E é preciso distinguir quais são os artistas que exaltam o belo, o bom e o verdadeiro e quais os desprezam.

Com base nos relatos bíblicos, enquanto o Senhor Deus criava o mundo – no ano 4963 a.C. –, via que era tudo “muito bom”. Há no grego a palavra ‘kalokagathía’, que significa ‘beleza-bondade’. É a partir desta partícula divina presente nos artistas que a arte deve ser edificada. A verdadeira Beleza está relacionada à vida de forma plena, tocando no espírito e não instinto.

Vale ressoar as palavras do papa João Paulo II, na Carta Aos Artistas, datada de 04 de abril de 1999: “(...) desejo a todos vós, artistas caríssimos, que sejais abençoados, com particular intensidade, por essas inspirações criativas. A beleza, que transmitíreis às gerações futuras, seja tal que avive nelas o assombro. Diante da sacralidade da vida e do ser humano, diante das maravilhas do universo, o assombro é a única atitude condigna”.


Jénerson Alves

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