Pular para o conteúdo principal

Shaolin e o absurdo

por Jénerson Alves (texto publicado na coluna Dois Dedos de Prosa, no Jornal Extra de Pernambuco)

Talvez dizer que Josenilton Veloso faleceu não gerasse tanta comoção. Ele era muito mais conhecido pelo seu codinome artístico: Shaolin. O paraibano sempre honrou o chão onde nasceu. Iniciou seus trabalhos na antiga Rádio Borborema, em Campina Grande. O jornalista Astier Basílio acentua que, algum tempo depois, já na TV Borborema, Shaolin chamava a atenção porque, em vez de imitar personalidades nacionais, como Sílvio Santos e Paulo Maluf, ele dedicou-se aos personagens locais, a exemplo de Pedro Chulé, Doutor Damião e Ronaldo Cunha Lima. Foi com essa essência que o humorista ganhou o Brasil. No SBT, na Record ou na Globo, ele levou a alegria nordestina para milhões de brasileiros.
Humorista Shaolin. Foto: PBAgora/Reprodução

Encontrar motivos para sorrir diante de uma existência tão absurda é um grande feito. Ter um olhar para os detalhes, enxergando a beleza da vida, é um milagre que apenas os artistas conseguem fazer. Seus personagens, suas imitações, suas composições, sua voz inigualável e seu sorriso indelével ficarão marcados na nossa memória e no nosso coração.

Absurdo também foi o acidente que ele sofreu na BR-230, em Campina Grande, no dia 18 de janeiro de 2011. Depois disso, foram praticamente cinco anos de batalha. Operação, internamento, coma. O baixinho que fez o Brasil sorrir também deixou a população apreensiva. Recentemente, havia voltado a se comunicar com a família, através do olhar e de expressões faciais. No dia 14, veio a triste notícia, o Brasil ficou menos alegre e o humor entrou de luto.

Nestes tempos de crise no que é chamado de humor em nosso país, artistas como Shaolin fazem muita falta. Ainda bem que permanece a semente no seu filho, Lucas Veloso, o qual já testificou no Facebook que deseja “honrar a alegria” do pai “todos os dias”. A esperança dá sinais que haverá mais motivos para sorrir.

Entre várias homenagens póstumas prestadas a ele, destaco a do poeta Oliveira de Panelas, que fez um jogo sonoro e visual entre o nome do humorista e o sentimento de saudade:

Tchau SHAOLIN, tchau tchau!
Tchau SHAOLIN, tchau,
Tchau SHAOLIN,
SHAOLIN,
Tchau!”


Em tempo: afirmo que não conheci Shaolin pessoalmente. Mas isso é desnecessário. Ele era daquele tipo de artista que parecia que ia sentar conosco no quintal e tomar um refrigerante, conversando como quem se conhece há muito tempo. Eu gostaria de falar para a viúva, Laudiceia, e para a família que, apesar da dor, é necessário lembrar que o Shaolin (aliás, que o Josenilton) atualmente está em um camarim, aguardando para o maior espetáculo da humanidade, quando esse “tchau” se transformará em um sorriso eterno.

Postagens mais visitadas deste blog

Professor Reginaldo Melo

por Jénerson Alves Texto publicado na Coluna Dois Dedos de Prosa, do Jornal Extra de Pernambuco - ed. 625 Ao lado de outros poetas de Caruaru, entrei no apartamento onde o professor Reginaldo Melo está internado há três semanas, em um hospital particular. Ele nos recebeu com alegria, apesar da fragilidade física. Com a voz bem cansada, quase inaudível, um dos primeiros assuntos que ele pediu foi: “Ajudem-me a publicar o cordel sobre o Rio Ipojuca, que já está pronto, só falta ser levado à gráfica”. Coincidentemente, ele estava com uma camisa de um Encontro sobre a questão hídrica que participou em Goiás. Prof. Reginaldo (centro), ao lado de Espingarda do Cordel (e) e Jénerson Alves (d) Durante o encontro no quarto do hospital, ocorrido na última semana, quando Olegário Filho, Nelson Lima, Val Tabosa, Dorge Tabosa, Nerisvaldo Alves e eu o visitamos, comprometemo-nos em procurar os meios para imprimir o cordel sobre o Rio Ipojuca, sim. Além disso, vamos realizar – em n

Apeirokalia

Do grego, a palavra ‘apeirokalia’ significa “falta de experiência das coisas mais belas”. A partir deste conceito, compreende-se que o sujeito que não tem acesso a experiências interiores que despertem o desejo pelo Belo, pelo Bem e pelo Verdadeiro durante a sua formação, jamais alcançará o horizonte de consciência dos sábios. A privação às coisas mais belas predomina em nosso país. Desconhecemos biografias de nossos ancestrais – ou, quando conhecemos, são enfatizados aspectos pouco louváveis de suas personalidades. As imagens identitárias do nosso povo são colocadas a baixo. Esculturas, construções, edificações, pinturas são pouco apresentadas. Até a nossa língua tem sido violada com o distanciamento do vernáculo e do seu significado.   A música real tem perdido espaço para séries de ritmos abomináveis. Este problema perpassa por uma distorção da cosmovisão sobre o próprio ser humano. Hedonista, egocêntrico e materialista, o homem moderno busca simplesmente o seu bem-estar.

O gato vaidoso - poema de Jénerson Alves

Dois felinos residiam Em uma mesma mansão, Mas um percorria os quartos; Outro, somente o porão. Eram iguaizinhos no pelo, Contudo, na sorte, não. Um tinha mimo e ração; O outro, lixo e perigo. Um vivia igual um príncipe; O outro, feito um mendigo (Que sem cometer delito Sofre só o seu castigo). No telhado do abrigo Certa vez se encontraram. Ante a tela do contraste, Os dois bichanos pararam E a Lua foi testemunha Do diálogo que travaram. Quando eles se olharam, Disse o rico, em tom amargo: “Tu és mísero vagabundo, Eu sou do mais alto cargo! Sou nobre, sou mais que tu! Portanto, passa de largo!” O pobre disse: “O teu cargo Foi a sorte quem te deu! Nasceste em berço de luxo, Cresceste no apogeu! Mias, caças, comes ratos… Em que és mais do que eu? Logo, este orgulho teu Não há razão pra ser forte… Vieste nu para a vida, Nu voltarás para a morte! Não chames, pois, de nobreza O que é apenas sorte”. Quem não se impor