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Perder...

Acho que estou começando a me especializar em perder. Sim. Às vezes, perder é a melhor opção. Mas não é qualquer perda, como quem perde um concurso ou um objeto qualquer. Não. É quem perde vida. Estou acostumado a perder vida. Vejo hipóteses que certamente me conduzirão a uma estrada frondosa, atapetada de benesses e belezas. Porém, tristemente percebo que estou fadado a palmilhar um caminho estreito, cheio de pedras e espinhos.
Estou acostumado a perder. Rejeito a vitória. Repudio sorrir. Prefiro as lágrimas. Fico à vontade com elas. Cada qual tem sua cruz, eu já me acostumei com a minha. Percebo que os sorrisos ficaram para trás, que os meus sonhos são totalmente impossíveis, que os projetos não passam de rabiscos em uma folha de papel amarelada. Meus intentos de alegria são delírios. Habituo-me ao fracasso, pois assim, talvez, ele se torne menos doloroso.
Sei que tenho de seguir os passos de um andarilho que foi crucificado. Igual a ele, preciso ser cuspido no rosto durante a travessia do meu Gólgota particular... Mesmo assim, não posso suportar ver meu próximo sendo humilhado... Assim foi com o jovem carpinteiro que eu chamo de Rei; assim deve ser comigo. Qual é o servo que tem uma vida melhor do que o seu senhor?
E, igual a ele, prefiro conter meus risos para conceder alegria a outrem. Afinal, meu pranto é benéfico para outros. Minhas agruras são “estrategicamente indispensáveis”. Minhas conversas enfadam, minhas ideias assustam, minha carência afasta, minhas dores perturbam – mais aos outros do que a mim mesmo...
Não posso mudar isso. Não posso ser importante para quem fechou as grades do coração antes mesmo de eu entrar. Só vou onde sou convidado. Sou um estorvo, por isso não me querem em lugar algum. Acham que eu teatralizo, que faço drama, que espetacularizo. Pensam que sou uma fraude.
Não ligo. Assumo o que sou e pronto. Sou um perdedor. Vou ser sempre assim... antes que eu fosse formado no ventre materno, fui escolhido para isso. Esse é meu ministério. Não nasci para a primavera. Estou predestinado a um eterno outono. As folhas caem no chão, o vento as arrasta como se gritasse “sai do meio!”. As noites são longas; as tardes, chuvosas; as manhãs, vazias. Olho para o céu e vejo nuvens densas a me anunciar que não vão sair.
Tudo bem. Eu aguento. E se não aguentar... também não importa. Quem liga, mesmo?

Jénerson Alves, em 18/12/2009, às 00:49:03

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