Ela estava se perdendo no mundo dos livros e ele já havia
se perdido há muito tempo. Por isso, nem no orbe das letras eles se
encontravam. Ela se deliciava com as narrativas de Nicholas Sparks, ele imergia no
sentimento de ‘não-pertencer’ do Albert Camus. Ela se debruçava em teorias
organizacionais, enquanto ele ficava cada vez mais confuso, fazendo uma ‘vitamina’
de Poe, Saramago e Kafka, ao invés de estudar os livros solicitados na
Faculdade. Ela lia Max Lucado, enquanto ele preferia os “hereges” Ricardo
Gondim e Rubem Alves. Na Bíblia, ela se deleitava com as parábolas de Jesus e
ele se mantinha ranzinza, em um eterno Eclesiastes. Ela entoava os Salmos com
mais beleza que Davi e ele, desafinado, recitava os Provérbios com a voz rouca.
Até que, quando ambos decidiram passear pelas árvores de Cantares, deram conta
da existência um do outro. Então, ele ergueu os olhos do livro e mirou o
sorriso dela, que era a materialização da beleza. E ela viu os olhos tristes dele.
E ouviu o silêncio que gritava dentro dele. Fecharam os livros. E a vida se
abriu para os dois, como uma página em branco.
Dentre as obras de Caravaggio, ‘A Vocação de São Mateus’ é uma das que mais provocam debates e reflexões. A tela, com traços realistas, parece fazer saltar ao mundo real o que está expresso no versículo 09 do capítulo 09 do Evangelho de S. Mateus: “Passando por ali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria, e disse-lhe: ‘Siga-me’. Mateus levantou-se e o seguiu”. O domínio da luz, inerente à verve do pintor barroco, é evidente na obra. O contraste da luz que entra pela janela no ambiente escuro parece representar o contato do mundo espiritual com o terreno – este reproduzido no grupo de pessoas à mesa e aquele pela figura do Senhor Jesus Cristo ao lado de São Pedro. Os indivíduos sentados à mesa parecem ter idades e posições sociais distintas. O mais relevante deles é Mateus, trajado de forma elegante e com uma postura de proeminência. Sem dúvida, uma boa exibição do que seria a conduta dos cobradores de impostos do primeiro século. No texto neotestamen...