Ela estava se perdendo no mundo dos livros e ele já havia
se perdido há muito tempo. Por isso, nem no orbe das letras eles se
encontravam. Ela se deliciava com as narrativas de Nicholas Sparks, ele imergia no
sentimento de ‘não-pertencer’ do Albert Camus. Ela se debruçava em teorias
organizacionais, enquanto ele ficava cada vez mais confuso, fazendo uma ‘vitamina’
de Poe, Saramago e Kafka, ao invés de estudar os livros solicitados na
Faculdade. Ela lia Max Lucado, enquanto ele preferia os “hereges” Ricardo
Gondim e Rubem Alves. Na Bíblia, ela se deleitava com as parábolas de Jesus e
ele se mantinha ranzinza, em um eterno Eclesiastes. Ela entoava os Salmos com
mais beleza que Davi e ele, desafinado, recitava os Provérbios com a voz rouca.
Até que, quando ambos decidiram passear pelas árvores de Cantares, deram conta
da existência um do outro. Então, ele ergueu os olhos do livro e mirou o
sorriso dela, que era a materialização da beleza. E ela viu os olhos tristes dele.
E ouviu o silêncio que gritava dentro dele. Fecharam os livros. E a vida se
abriu para os dois, como uma página em branco.
Dois felinos residiam Em uma mesma mansão, Mas um percorria os quartos; Outro, somente o porão. Eram iguaizinhos no pelo, Contudo, na sorte, não. Um tinha mimo e ração; O outro, lixo e perigo. Um vivia igual um príncipe; O outro, feito um mendigo (Que sem cometer delito Sofre só o seu castigo). No telhado do abrigo Certa vez se encontraram. Ante a tela do contraste, Os dois bichanos pararam E a Lua foi testemunha Do diálogo que travaram. Quando eles se olharam, Disse o rico, em tom amargo: “Tu és mísero vagabundo, Eu sou do mais alto cargo! Sou nobre, sou mais que tu! Portanto, passa de largo!” O pobre disse: “O teu cargo Foi a sorte quem te deu! Nasceste em berço de luxo, Cresceste no apogeu! Mias, caças, comes ratos… Em que és mais do que eu? Logo, este orgulho teu Não há razão pra ser forte… Vieste nu para a vida, Nu voltarás para a morte! Não chames, pois, de nobreza O que é apenas sorte”. Quem não se impor