terça-feira, 5 de outubro de 2010

Entrevista com Paul Freston

ESTRUTURA POLÍTICA
Paul Freston é professor na Wilfrild Laurier University, em Ontário, Canadá. O catedrático e escritor revela a lógica injusta pertencente ao sistema brasileiro, promovendo uma reflexão sobre as falhas da democracia e propõe os passos para a transformação

                                                     Divulgação

JORNAL EXTRA Costumeiramente, o ambiente político é marcado por denúncias e casos de corrupção, envolvendo integrantes das mais variadas legendas. Esses casos levantam questionamentos sobre devassidão impregnada na política brasileira. Esse é um problema sistêmico?
PAUL FRESTON Corrupção é sempre uma mistura de fatores.  É uma mistura de fatores de sistema e de pessoas também. Questões culturais e fatores individuais. De um lado, podemos dizer que corrupção é universal. Não existe sistema político no mundo que não tenha algum grau de corrupção. Por outro lado, há, evidentemente, diferenças de nível. Podemos dizer que existem alguns sistemas de outros países que são mais amenos com a corrupção do que outros. Há países que modificam algo para combater a corrupção e outros que ela piora sensivelmente. Pelo que eu sei, me parece que há uma conjunção desses fatores e por isso não se pode combater a corrupção apenas em um nível sistêmico nem apenas em um nível individual.

JORNAL EXTRA Qual seria a melhor forma de combater a corrupção?
PAUL FRESTON Combater por completo é quase impossível. Vencer corrupção, não se vence. Apenas se diminui, se enfraquece. No nível sistêmico, um fator muito importante é a probabilidade de ser punido. Isso tem um efeito grande. Têm sido feito estudos nessa área, sobre a questão da impunidade. Isso entra até mesmo no nível cultural. Tem muitos fatores, como a formação do povo, que também influi nesse entendimento. É preciso rigor para se aplicar regras. Quem se envolve com corrupção deve ser punido.
Portanto, deve ser feita uma abordagem sistemática. Quando o sistema é percebido como fundamentalmente justo, quem o burla se torna mal visto. Mas se o sistema é visto como fundamentalmente injusto, burlá-lo vira virtude, é uma coisa tolerada.

JORNAL EXTRA Em um sistema injusto, como um político pode conseguir levantar a bandeira da ética?
PAUL FRESTON A bandeira da ética precisa claramente ter um alvo duplo. Tem de ter um alvo de formação ética individual, esse é um nível, mas não vai bastar. Também precisa ser levantada de forma estrutural. As duas coisas têm de ser vistas em conjunto.

JORNAL EXTRA O senhor é inglês naturalizado brasileiro. Quando comparado o sistema político brasileiro com o parlamentarismo monárquico da Inglaterra, em qual o senhor percebe o solo mais fértil para a corrupção? Por quê?
PAUL FRESTON A gente tem a mania de achar que certas coisas são únicas. O brasileiro gosta de pensar que saudade e jeitinho só existem no Brasil (risos). Isso é bobagem, obviamente. Então, é claro que neste país há uma certa acentuação, porém duvidar que em outros países exista o jeitinho é ingenuidade. Agora, o que pode mudar de um país para outro ou mudar dentro do mesmo país de um momento para outro é o grau de tolerância com relação à corrupção. O mesmo ato pode acontecer em diversos países, mas ser visto de forma diferente. Em alguns lugares, há uma alta tolerância, até louvável, ao extremo. Ou, pelo menos uma certa compreensão devido à natureza injusta do sistema.  Já em outros, o ato da corrupção se torna altamente injustificável, com pouca tolerância embora exista a corrupção. Posso colocar o Brasil como um país de tolerância alta, onde esse tipo de coisa é visto como bastante justificável, diante de um sistema que é injusto ou, pelo menos, imediatista. Há também sistemas que são complicados demais, que dificultam demais a vida. Por isso, se tolera o jeitinho para navegar a distância entre as leis e a realidade, pois a vida tem de ser vivível, tem de fluir. Há uma certa distância entre as leis e a realidade. A aceitação do jeitinho como algo tolerante continua muito forte.
Eu tenho a impressão que isso não mudou muito ainda. Quer dizer, reconheço que, nos últimos 20 anos, muitas coisas mudaram no Brasil, principalmente nos últimos dez anos, muitas coisas mudaram inclusive, para melhor, eu acho. A gente percebe quando vai ao exterior que a imagem que lá se tem do Brasil, hoje, é muito melhor do que era antigamente. Muito melhor. O Brasil é comentado, aumentou a visibilidade de forma positiva, no geral. A visibilidade internacional brasileira positiva é um lado da realidade que deve ser levado em conta. Por outro lado, há a realidade cotidiana que ainda se deixa a desejar. Eu acho que a aceitação do jeitinho como algo que tem de existir, se não a vida fica impossível não mudou muito, isso ainda continua. O mero desenvolvimento econômico e projeção geopolítica não muda tudo, completamente. Essas são coisas insuficientes para mudar esse cenário. É bem verdade que, em certos aspectos, o desenvolvimento econômico favorece o enfraquecimento da corrupção. Por outro lado, não há uma co-relação exata entre grau de desenvolvimento e corrupção, sempre há outros elementos, como o sistema político e cultural.

JORNAL EXTRA No seu livro Religião e política, sim; Igreja e Estado, não (Editora Ultimato), o senhor afirma que a visão cristã do Estado é que o Estado não deve ser cristão’”. O que isso significa?
PAUL FRESTON Não estamos numa situação do Velho Testamento, como não estamos numa teocracia ainda. O cristianismo nasceu com outra visão com relação a fé e o Estado. A fé e o território. Fé e bens. Ou seja, toda relação de poder vem com território, mas no cristianismo é diferente. O problema é que se esquece disso, ao longo da história do Cristianismo. Por boa parte da história, o Cristianismo voltou a ter essa relação com poder e território. Um conceito totalmente confessional. A visão cristã do Estado é que o Estado não se posiciona nesse sentido, defendendo uma determinada confissão. Existem pessoas que se assustam com isso. Acham um absurdo, mas se pensar direitinho vai perceber que não. Quem sofre mais quando o estado se outorga uma identidade cristã? São os dissidentes da própria religião professada pelo Estado. Os cristãos que não concordam com o tipo de Cristianismo professado pelo estado são as primeiras vítimas daquele estado. Os evangélicos, por exemplo, chegaram ao Brasil com uma crítica a relação que o Catolicismo tinha com o Estado, primeiro no Império. Depois, mesmo na República, sem ainda uma religião oficial, mas digamos que oficiosa, continuavam reclamando disso, pois percebíamos contradições com a nossa própria história. Os evangélicos devem ser os maiores defensores que o Estado não-confecional. Assim sendo, o Estado tem de ser para evangélicos, católicos, espíritas, umbandistas e por aí vai... O Estado precisa conceder os mesmos direitos às religiões. O Estado não deve ser cristão, a Igreja tem de ser cristã.

JORNAL EXTRA O senhor acredita que a participação da sociedade civil nas decisões políticas pode melhorar a conjuntura política? Porém, como estimular essa participação? Métodos como plebiscitos, Audiências Públicas e Orçamentos Participativos são ferramentas viáveis para o engajamento social?
PAUL FRESTON Na teoria isso seria bom. Mas, inevitavelmente, em um país complexo de 190 milhões de pessoas não dá para se ter uma democracia verdadeiramente participativa. Isso é ilusão. O máximo que se pode ter é uma democracia representativa. Essa democracia representativa pode ter mais a capacidade de captar e traduzir os anseios populares, através de uma série de mecanismos. As tentativas de Orçamentos Participativos refletem isso. Mas, de certa forma, é uma linha errada.
A Suíça é um país que procura muito ter uma democracia participativa. É muito fácil pedir um plebiscito sobre uma série de coisas. No fim do ano passado, houve um plebiscito muito substantivo na Suíça, sobre a construção de minaretes, aquelas torres que ficam em cima das mesquitas. É muito fácil, basta apenas juntar um número máximo de assinaturas que se consegue um plebiscito federal sobre equívocos, e o povo vai às urnas votar apenas aquela questão. Volta e meia na Suíça, o povo está votando em alguma coisa. Isso tem grandes méritos, mas por outro lado tem equívocos também. Por exemplo, inesperadamente a votação deu a favor de uma proibição, que pode ser notada como um atentado à liberdade religiosa. Mas é a vontade da maioria da população. Muito embora a maioria dos partidos políticos, principalmente os do governo, e até o Conselho dos bispos católicos e das igrejas protestantes também eram contra a proibição. Muitos órgãos da mídia também eram contra. No entanto, a proposta venceu. E agora vamos ver as consequências que isso vai ter. Nem sempre ouvir o povo nos levar a realizar as coisas no sentido que a gente espera. A democracia entendida apenas como vontade da maioria, às vezes desemboca em resultados que atentam à liberdade democrática. Sou a favor da democracia participativa, mas temos que entender que nem sempre essa nos traz os resultados que esperamos.

Entrevista publicada na edição 313 do Jornal Extra de Pernambuco.

Entrevista com Frei Betto

Análise


Um dos maiores intelectuais do país faz uma análise da conjuntura política, social e religiosa do Brasil, além de propor alterações no modelo educacional da sociedade






JORNAL EXTRA – O senhor lutou contra o regime militar, em prol da democratização do Brasil. Como foi essa experiência?


FREI BETTO – Essa experiência está relatada nos livros “Cartas da Prisão” (Agir), “Batismo de Sangue” (Rocco) e no recém lançado “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco). Foi uma experiência de muito sofrimento, porém compensada pela conquista da redemocratização do Brasil.






JORNAL EXTRA – De que forma o senhor analisa o engajamento social da juventude hodierna? Os jovens estão apáticos à política?


FREI BETTO – Há jovens apáticos, alienados pelo consumismo, manipulados pela mídia de entretenimento. Mas há jovens engajados, comprometidos, como os militantes de movimentos sociais e pastorais, em especial os do MST. É preciso lembrar aos jovens: quem tem nojo de política é governado por quem não tem. Se a maioria tiver, estará fazendo um grande favor aos corruptos e oportunistas.






JORNAL EXTRA – O Catolicismo Romano está perdendo espaço para outros movimentos religiosos no Brasil. Como o senhor enxerga esse fenômeno? É hora de a Igreja Católica se modernizar?


FREI BETTO – Sim, nos últimos 20 anos o número de católicos, segundo o IBGE, decai 1% ao ano. E os evangélicos têm crescido. A Igreja Católica precisa valorizar mais as Comunidades Eclesiais de Base, tornar o celibato facultativo e ordenar sacerdotes homens e mulheres casados. Consta no Evangelho que Jesus curou a sogra de Pedro. Se Pedro tinha sogra é porque era casado.






JORNAL EXTRA – Quando o senhor deixou de integrar o Governo Lula, teceu críticas à burocracia para o bom andamento do programa Fome Zero. Além disso, o senhor lamentava a substituição de um programa ‘emancipatório’ por outro ‘assistencialista’ – o Bolsa Família. Atualmente, qual é a sua opinião sobre esse assunto?


FREI BETTO – A mesma que está exposta em meu livro “Calendário do Poder”, que é um diário dos dois anos – 2003 e 2004 – nos quais trabalhei no Governo Lula: o Fome Zero tinha caráter emancipatório, o Bolsa Família, embora positivo, é apenas compensatório, não encontrou ainda a porta de saída das famílias nele inscritas.






JORNAL EXTRA – O senhor enxerga fins eleitorais no Programa Bolsa Família?


FREI BETTO – Jamais existiu ação governamental sem pelo menos um olho nas urnas.






JORNAL EXTRA – Como o senhor avalia o Governo Lula?


FREI BETTO – Avalio-o como o melhor governo de nossa história republicana, em especial no que concerne à política externa, à estabilidade econômica e a não criminalização dos movimentos sociais. Porém, nos deve as reformas de estruturas – agrária, política, tributária etc. –, a preservação da Amazônia (o fim do desmatamento), a abertura dos arquivos das Forças Armadas sobre a ditadura e políticas sociais que combatam as causas da desigualdade gritante entre nossa população.






JORNAL EXTRA – No que diz respeito às próximas eleições, o senhor considera que a esquerda deva se manter no poder ou necessita fazer uma alternância com a direita?


FREI BETTO – Infelizmente, a esquerda não está no poder. Temos um governo de centro aliado às mais conservadoras forças de direita do país. Vide o modo como o PT trata o caso Sarney. Contudo, ainda prefiro quem não governa sob a batuta do PSDB e do DEM.






JORNAL EXTRA – Que análise o senhor faz da política educacional no Brasil? Como formar cidadãos críticos?


FREI BETTO – O governo federal deveria aplicar na educação ao menos 8% do orçamento. Hoje, investe pouco mais da metade desse índice. E ampliar a frequência escolar, em todos os níveis, de 4 para 6 horas/dia. Para formar cidadãos e cidadãs críticos é preciso levar às nossas escolas o método Paulo Freire.






JORNAL EXTRA – Como o senhor observa a política estadunidense do presidente Barack Obama?


FREI BETTO – Ainda espero que Obama cumpra suas promessas de campanha, como o fechamento da prisão de Guantánamo e a suspensão do bloqueio a Cuba.






JORNAL EXTRA – Na sua opinião, em que aspectos Obama se diferencia de George W. Bush?


FREI BETTO – Obama é homem de diálogo, Bush é um troglodita.






JORNAL EXTRA – Como o senhor pode explicar a relação existente entre religião e política?


FREI BETTO – Todos nós, cristãos, somos discípulos de um prisioneiro político. Jesus morreu sob dois processos políticos e foi condenado a morrer crucificado, pena de morte imposta pelos romanos. Religião e política são esferas distintas objetivamente e que, no entanto, se articulam subjetivamente na prática de todos nós que, a partir da motivação de fé, lutamos por uma sociedade de justiça e paz.






JORNAL EXTRA – Como o senhor observa a relação entre Lula e José Sarney? O presidente está abrindo espaço para alianças com líderes fisiologistas?


FREI BETTO – Ao defender Sarney, o presidente paga um pedágio muito alto para assegurar a vitória de sua candidata nas eleições de 2010.






JORNAL EXTRA – O senhor declara que, desde moço, tinha muita admiração pela Revolução Cubana. Essa admiração perdura até hoje?


FREI BETTO – Sempre fui admirador e solidário à Revolução Cubana, pois em nenhum outro país da América Latina e do Caribe a vida – o dom maior de Deus – é tão bem assegurada para o conjunto da população. Há um outdoor em Havana que bem explica o que afirmo: sob a foto de uma criança sorrindo, trajando uniforme escolar, a frase: “Esta noite 200 milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma delas é cubana”. Por isso o papa João Paulo II elogiou as conquistas sociais da Revolução ao visitar Cuba em 1998.






JORNAL EXTRA – O senhor costuma dizer que acredita na existência de vida inteligente fora da terra. Essa crença entra em contradição com a fé bíblica?


FREI BETTO – Desenvolvi isso em meu livro “A obra do Artista – uma visão holística do Universo” (Ática). Não há nenhuma contradição com a Bíblia. Como nossas projeções televisivas são o que a atual tecnologia consegue projetar em maior distância no espaço, possivelmente os extraterrestres captaram nossos programas de TV e chegaram à conclusão de que aqui ainda não há vida inteligente...






Entrevista concedida ao jornalista Jénerson Alves e publicada na edição 289 do Jornal Extra de Pernambuco (22 a 28 de agosto de 2009).

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