No País do futebol, o sentimento de ‘torcida’ espraia-se por diversas dimensões do ser. Inclusive para a religião. Quando o religioso é tomado por este sentimento, o caso é sério, pois perde a capacidade de discernir, de dialogar, de praticar a reflexão. Ao invés de conversas, aparece um vociferar de múltiplas tonalidades, no meio da qual nenhum discurso pode ser inteligível.
Infelizmente, tem sido esse o cenário, no meio evangélico brasileiro, quando se trata da questão da homoafetividade. Historicamente, o assunto é espinhoso e motivo de celeumas e discussões. Aliás, a forma como a religião lida com a sexualidade de um modo geral (inclusive a hetero) é, via de regra, baseada em tabus. Com o avanço das lutas sociais de minorias como o movimento LGBT, que começa a alcançar espaços, os religiosos necessitam demarcar, também, espaço no debate público. O terreno fica fértil para excessos. De ambos os lados. Vale lembrar que esta temática constituiu-se uma das tônicas das eleições de 2010, nas quais discussões sobre economia, políticas sociais e ideologia foram silenciadas. Quando o foco da discussão é distorcido, aparece de tudo. Personalismo, propostas nonsense, enfim, excessos.
Nesse cenário, uma ‘voz’ surge e, com meiguice e doçura, faz um convite para que todos se percebam como seres humanos. Sem megafones, programas televisivos, nem marchas, essa ‘voz’ aparece nas letras do livro ‘Entre a Cruz e o Arco-Íris, a complexa relação dos cristãos com a homoafetividade’ (Gutenberg, 2013). Na obra, a jornalista Marília de Camargo César aborda a complexidade desses dois aspectos. A proposta é demonstrar o lado humano das pessoas inseridas nesse contexto. É uma forma de sair do foco dos bufões que – dos dois lados – expõem discursos inflamados, na busca por um olhar sóbrio acerca dessa questão.
Em entrevista concedida a mim, através do Jornal Extra de Pernambuco, Marília compartilhou um pouco da experiência de produzir esse trabalho. “Começaram a surgir em minha mente perguntas como: como será que é ser homossexual e evangélico? Será que existem muitos evangélicos-gays ou esta é uma contradição em termos? Por que, afinal, as pessoas são gays? A princípio, fui movida por curiosidade. Depois, ao contrário do que parece, percebi que se tratava de um ambiente humano onde havia muita dor, anonimato, pessoas feridas, abandono e abuso. Isso foi me motivando a continuar a pesquisa”, declarou.
Em outras palavras, no caminho de procurar compreender um determinado ‘fenômeno’, a jornalista deparou-se com vidas. Vidas que sonham, que choram, que riem, que pensam, que têm carências, que têm esperança... enfim, vidas. Vidas como eu e você. E, ao ficar diante de vidas, não há como olvidar dAquele que disse: “Eu venho dar vida e vida em abundância”.
Diante dEle, não há como não se render ao Amor. Aliás, Ele é Amor. E a jornalista comentou, ainda, na entrevista: “Existe um jargão evangélico muito conhecido: temos que amar o pecador, mas odiar o pecado. O que significa isso na prática? Na verdade, quase nada. É um discurso meio vazio, uma vez que você afirma que ama, porém luta contra os direitos civis dessas minorias, não aceita que eles tenham plenos direitos de cidadania, ergue faixas nas ruas conclamando guerra contra os gays e anunciando que o inferno os aguarda com chamas ardentes”.
Acredito que essa é uma temática que ainda vai render bastante, tanto nos púlpitos quanto nas praças, nas ruas, nas casas. Mas, principalmente, no âmago daqueles que enfrentam problemas na área da sexualidade. Além das vozes que gritam nos microfones, há vozes que gritam no interior das pessoas. E isso gera confusão, insegurança, desespero. Assim sendo, a voz da jornalista vem como um pedido para que seja feito silêncio, até que se ouça Outra voz. A voz dAquele que dá vida. A voz dAquele que diz: “Venham a Mim, todos vocês que estão cansados de carregar as suas pesadas cargas, e Eu lhes darei descanso. Sejam Meus seguidores e aprendam Comigo porque Sou bondoso e tenho um coração humilde; e vocês encontrarão descanso”.
O chamado à salvação é para todos. Homos, heteros, ricos, pobres, negros, brancos, homens, mulheres, ateus e evangélicos(!). Todos somos pecadores, pois a nossa natureza é pecaminosa. Isso não tem relação, necessariamente, pelo que fazemos, mas pelo que somos: pecadores. E apenas o amor dEle, que foi materializado no sangue que jorrou no madeiro, modifica essa natureza. Precisamos, portanto, guiar-nos pela voz de Jesus, o Bom Pastor, até o dia em que ouviremos dEle próprio o chamado: “Vinde, filhos benditos”.