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Mostrando postagens de julho, 2023

O Medo que me expulsa e leva ao paraíso - por Jénerson Alves

  O Medo! Essa constante e indesejada companhia! “Fiquei com medo e me escondi”, confessou Adão pouco antes de ser expulso do paraíso. O Medo evoca o desejo de fugir, evadir-se, esconder-se. Debandar-se. De quem? Do outro? Ou de si? À semelhança do primeiro homem, temo e tremo perante uma pergunta do Criador: “Ubi es?” (Onde estás?). Tal indagação não me coloca diante de um senhor barbudo, como o retratado por Michelangelo. Antes, posiciona-me diante de mim mesmo – e da minha humanidade. A essência adâmica que em mim habita é convocada a mirar-se em um espelho. E as palavras de Gustavo Corção fulgem como uma imagem: “Pássaro e lesma, o homem oscila entre o desejo de voar e de rastejar”. Como disse Pascal, sou “misto de grandeza e miséria”. E isso me amedronta. A meia distância do Logos e de Lúcifer, o Medo parece expulsar-me do Jardim do Éden, mas não sei o que há por trás do rio. Curiosamente, o Medo também me transporta para outro jardim: o Getsêmani. Ali, vejo o Mestre pos

A garota que via os sons - por Jénerson Alves

  Chamava-se Letícia. Garota de poucas palavras e muitos pensamentos. Cultivava uma discrição que às vezes parecia invisibilidade. Assim, esquivava-se de cantadas e paixonites que despertava nos garotos. Tinha apenas 16 anos, mas parecia ser mais velha – não por fora, sim por dentro. Uma alma antiga (ou seria eterna?) em um corpo jovem. Até que conheceu o Hilário. Um garoto sem grandes atrativos. Óculos garrafais, corpo delgado, face com espinhas. E ela sentiu-se atraída por ele. Um magnetismo maior do que qualquer afinidade corporal. Era como um ímã, um fio intangível puxava um ao outro. A ele, e somente a ele, Letícia teve coragem de contar seu segredo: ela via sons. Sim. Ouvir uma música poderia ser para ela uma experiência incrível ou trágica, pois cada melodia ganhava contornos específicos, os quais apontavam para o estado de espírito do compositor e/ou intérprete. Porém, o que mais a afligia não eram as canções, mas as palavras. Da boca de boa parte das pessoas, procedia

A lenda da Comadre Fulozinha - por Jénerson Alves

  Eu devia ter uns oito ou nove anos quando, pela primeira vez, ouvi falar sobre a Comadre Fulozinha. Eu morava em um bairro com ares de sítio. A rua ainda era um ambiente tranquilo para brincar, e os animais faziam parte do cenário. Em uma tarde qualquer, eu vi um cavalo com a crina amarrada, o que despertou minha curiosidade infantil. Um vizinho já idoso apontou para o equino e disse: “Foi a Comadre Fulozinha; eu bem que ouvi os assobios dela ontem”. E um arrepio de medo escorreu pelas minhas costas. Voltando para casa, contei à minha mãe o que se passara. Com os olhos arregalados e em tom grave, ela explicou-me: “Comadre Fulozinha é um ser que protege os animais e as plantas, abre porteiras de fazendas e gosta de amarrar a crina de cavalos”. Meio cético, indaguei-lhe se a tal Comadre existia mesmo. Lembro-me de cada palavra da resposta: “Eu nunca a vi, mas quando era pequena, ouvia muito aqueles assobios lá longe… e pai dizia pra ninguém sair de casa, pois a Comadre estava por

Sem segredo nos seus olhos - por Jénerson Alves

  Lovers in the moonlinght - Marc Chagall – Você olha de um jeito estranho… – ela soltou, e depois esbugalhou os olhos, surpresa com o que acabara de ouvir de si mesma. – Estranho? Como? – ele perguntou, franzindo os olhos. – Às vezes, assusta… Parece que você está vendo coisas de outro mundo… olha para os lados… ou fixa os olhos em um ponto aleatório… – tentou explicar, um tanto confusa. ***** Mal sabe que ela não foi a primeira pessoa dizer-lhe isso. Desde criança, os amigos apontavam para o jeito de mirar daquele garoto desengonçado. Nas fotos, dificilmente olhava para a câmera. Logo assim que as redes sociais começaram a surgir, algumas pessoas fizeram meio que uma ‘enquete’ nos comentários, ao reparar que ele sempre mirava locais improváveis: “Para onde ele olhava, afinal?” Não havia segredo nos seus olhos. Diferentemente de Lúcia, Francisco e Jacinta, não tivera visões angélicas. Seu olhar não avistava a escada celestial que fora vista por Ellen White. Distinto do