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Manifesto contra a leitura

Estou traumatizado. As aulas vão reiniciar semana que vem e estou bastante apreensivo com isso. Recordo-me do olhar iracundo de um jovenzinho de 15 anos que, ao me ver entrar na sala ano passado, expôs seu sentimento de total desconforto. O motivo: "o senhor nos manda ler demais, e eu detesto ler!". Seria cômico, mas é trágico. E, mais trágico ainda, é lembrar que toda a sala apoiou a afirmação do elemento, mostrando-se contra a "torturante" arte de ler. Eu até tentei argumentar, dizendo que a leitura é bem mais do que uma simples decodificação de sinais gráficos, mas sim, uma ferramenta que possibilita o ser humano enxergar o mundo de uma forma mais ampla, compreendendo nuances e decifrando entrelinhas. Mas, isso não serviu para nada.
E, após passar as "férias" pensando nesse acontecimento, cheguei à conclusão de que eles estão certos. Ler é chato!
Sim! É chato quando a leitura é imposta, da forma que faz a maior parte dos "centros de aprendizagem". O aluno tem que "decorar" páginas e mais páginas de um conteúdo, para preencher as lacunas de uma avaliação posterior, utilizando informações fragmentadas que muitas vezes não aparentam ter nenhuma relação com o cotidiano. Portanto, me manifesto contra a leitura. Sim, mas contra essa leitura unívoca e racional, como mero instrumento de absorção de informações.
Para isso, a sociedade precisa reconceituar o papel social da escola. Escuto muitos professores (e pais) dizendo aos alunos: "Estude para passar no vestibular", como se um amontoado de questões fosse a porta da salvação das pessoas. Um band-aid na sobrancelha ou uma cabeça raspada não podem testificar se tal criatura possui uma visão crítica de mundo, tampouco se tal mente tem a capacidade de refletir sobre alguma coisa. Estou cansado de “CDFs” com uma idoneidade de raciocínio diretamente proporcional à quantidade de verbetes lidos em um dicionário. Tenho ojeriza daqueles que não conseguem refutar qualquer argumentação – por mais fajuta que seja! Enojei-me diante dos que se prostram ante um aparelho de TV e louvam seus falsos deuses de forma que, para serem imagem e semelhança dos tais, vão ao Shopping Center (grande templo de Belial) e doam não só os dízimos, mas o soldo inteiro – e com ele as idéias, ideais, a vida até…
Essas cenas me causam temor. Revolto-me contra o mundo e me entristeço comigo. Confesso que chorei bastante nessas férias. Tentei me recompor desse jeito. Consegui. Já posso sorrir quando penso que meus sonhos podem se tornar realidade. Estou bem. Mas, não quer dizer que eu esteja feliz, ou conformado com o mundo.
Não! E esse sentimento revolucionário me faz querer gritar bem alto, para os meus alunos e a todos que, ainda, desejam aprender cada vez mais com o Autor da Vida: "Estudem para se autoconstruirem como indivíduos, como seres pensantes e críticos, mesmo que isso os torne diferentes da massa alienada que os rodeia. Estudem para não serem consumidos pelas pressões escusas da mídia, mesmo que sintam as dores de tais pressões. Estudem para compreenderem a miscelânea da pós-modernidade, mesmo que não possam solucioná-la. Estudem para construir grandes ideais. Estudem para erguerem a voz contra as injustiças, mesmo que sejam chamados de agitadores por causa disso - lembrem-se que Gandhi, Luther King, Tiradentes, Isaías e o próprio Cristo receberam essa alcunha. Não se tornem intelectuais mecanicistas que se isolam em mundinhos próprios e vivem de flashes em baladas. Estudem para não descer ao nível dos ladrões de colarinho branco, que fazem do povo uma escada para conquistarem fortunas – que não compram a felicidade. Estudem para se tornarem juízes justos (sem redundância), médicos que não negam o dom de curar, líderes religiosos que fazem da própria vida a mensagem que pregam, artistas que olham pela janela e não para o espelho. Enfim, estudem, pois dessa forma, poderão transformar o mundo".


Jénerson Alves

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