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“ O caruaruense não tem subterfúgios ou enrolação”, diz poeta Carlos Paiva

 



Um recifense apaixonado por Caruaru. O escritor Carlos Paiva lançou o livro "O Rio A Cidade O Tempo O Mundo" na semana de aniversário da Princesinha do Agreste. Ele falou conosco sobre os objetivos da obra e o seu sentimento pela cidade que abraçou para viver.

Qual o ‘encantamento’ que o fez e faz escrever sobre Caruaru?

O que me impressiona nos caruaruenses são três pontos. O primeiro é o empreendedorismo. São pessoas empreendedoras, que querem vencer na vida. O segundo é a objetividade, o aspecto de ‘dizer na cara’ o que sente; isso é muito interessante. O caruaruense não tem subterfúgios ou enrolação; ele diz. O terceiro ponto é a capacidade de abraçar as pessoas que o caruaruense tem. Eu me senti abraçado pelas pessoas, pela cidade. Fui me encantando diuturnamente e estou aqui há 33 anos. Cheguei aqui em agosto de 1988, lembro-me bem. Aposentei-me e decidi continuar aqui.



O Rio Ipojuca ganha atenção especial no seu livro. O que o motivou a escrever sobre o tema?

Acho que os rios brasileiros não são muito bem tratados. Se você observar: no Brasil e no mundo, toda e qualquer cidade nasce às margens de um rio. É dele que tiramos a vida, por isso não podemos jogar sujeira nele. Ele nos alimenta, alimenta a cidade. Meus poemas não deixam de ser uma denúncia: o que temos feito com o rio?

Na última segunda-feira, quando passava perto do Rio Ipojuca, era possível sentir um mau cheiro terrível. O Ipojuca é um rio fino e comprido, mas está ficando mais fino ainda. As matas ciliares estão sendo desgastadas. Em um poema, parodiando o Hino Nacional – que fala sobre as “margens plácidas” –, eu cito as “margens plásticas” do Ipojuca, e trago a metáfora de uma borboleta amarela pousando sobre uma embalagem de margarina. É isso o que se faz com o Rio Ipojuca.

Claro que isso não é só em Caruaru. O Ipojuca corta 25 cidades. Esse é um alerta. Eu espero que esta parte do livro não seja apenas mais palavras, porém traga atitudes. Discurso não resolve muita coisa, mas a atitude de fazer.



A poesia tem, diferentemente da prosa, o aspecto de tocar na alma, no sentimento. O senhor acha que a poesia pode ser um elemento de transformação?

Pode ser, agora depende do modo como as pessoas estão lendo a poesia. Acho que o brasileiro não está acostumado a ler poesia. Ele lê prosa. A poesia precisa ser lida com muita calma. Palavra por palavra. Interpretação por interpretação. Na poesia, há muita coisa dentro, que precisa ser ‘pescada’. A poesia não é tão escancarada. O leitor precisa saber ler, interpretar, definir o que está lendo e jogar para sua vida. É isso o que toca na alma, que é muito mais etérea, holística. Será que nós vamos entender isso? O problema está aí.

Eu espero que este livro de poesias tenha, realmente, o poder de tocar na alma das pessoas. E as pessoas busquem dentro de si as atitudes necessárias. Muito se fala sobre o papel do poder público, mas isso é só uma parte. É preciso que surjam lideranças que se unam e trabalhem em prol da educação dos cidadãos.



Com relação ao livro. O lançamento ocorreu nesta semana na Asces-Unita, mas há um projeto de expandir e levá-lo, por exemplo, às escolas?

O primeiro passo foi o lançamento do livro. Tenho muita gratidão, pois ele foi muito bem divulgado. O segundo passo deverá ser feito em junho. Queremos visitar todas as bibliotecas de Caruaru e disponibilizar o livro. Neste contexto, se eu for convidado para ministrar alguma palestra nas escolas, junto ao consultor cultural Walmiré Dimeron, nós iremos. Nisso, a gente pensa também sobre o papel do professor. O terceiro passo é realizar encontros literários periodicamente para discutir assuntos relacionados ao livro. Acho que é um projeto enxuto, bem delineado, e espero que a sociedade abrace essa ideia.

Creio que não vou parar por aqui. Meu intuito é escrever uma trilogia, lançando cada volume a cada dois anos. Depois, eu posso parar. Ou continuar.


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